A Juíza Federal Convocada Dinamene Nascimento Nunes (Relatora):
Irresignado com a r. sentença, o autor interpôs apelação buscando, em sede recursal, a reforma da decisão por não ter reconhecido o labor em atividade rural sem registro em CTPS nos períodos compreendidos entre 10.02.1964 e 13.01.1964; 09.05.1975 e 04.11.1977; 06.02.1981 e 30.08.1981; 12.04.1983 e 01.05.1983; 17.05.1984 e 30.08.1984; 01.04.1985 e 30.07.1985; 04.08.1986 e 24.07.1991.
O artigo 55, § 2°, da Lei 8.213/1991 estabelece que o tempo de labor rural anterior à vigência da referida lei será computado independentemente do recolhimento das contribuições correspondentes. Para o período posterior à entrada em vigor da lei, contudo, a consideração para fins de aposentadoria por tempo de contribuição exige a efetivação dos recolhimentos previdenciários.
A comprovação do tempo de serviço rural para fins previdenciários está disciplinada no § 3° do artigo 55 da Lei 8.213/1991, que estabelece a obrigatoriedade de início de prova material, sendo insuficiente a produção de prova exclusivamente testemunhal. O Superior Tribunal de Justiça consolidou esse entendimento na Súmula 149:
"A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção do benefício previdenciário."
Quanto ao reconhecimento do trabalho rural de menor de 12 anos, existe possibilidade de cômputo desse tempo em regime de economia familiar para fins previdenciários, embora a jurisprudência apresente controvérsia. A comprovação desse período, especialmente em idades inferiores a 12 anos, reveste-se de maior complexidade, mas não é impossível. Embora a jurisprudência e a legislação, notadamente o Estatuto da Criança e do Adolescente, objetivem proteger o menor do trabalho, proibindo atividades laborais abaixo de determinada idade, os tribunais têm admitido o reconhecimento do trabalho rural de menores de 12 anos, desde que devidamente comprovado, principalmente quando exercido em regime de economia familiar.
Nesses termos:
AgInt no AREsp n. 956.558/SP, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 2/6/2020, DJe de 17/6/2020 PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. TRABALHADOR URBANO. CÔMPUTO DO TRABALHO RURAL ANTERIOR À LEI 8.213/1991 SEM O RECOLHIMENTO DAS CONTRIBUIÇÕES. POSSIBILIDADE DE CÔMPUTO DO TRABALHO RURAL ANTERIOR AOS 12 ANOS DE IDADE. INDISPENSABILIDADE DA MAIS AMPLA PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA ÀS CRIANÇAS E ADOLESCENTES. POSSIBILIDADE DE SER COMPUTADO PERÍODO DE TRABALHO PRESTADO PELO MENOR, ANTES DE ATINGIR A IDADE MÍNIMA PARA INGRESSO NO MERCADO DE TRABALHO. EXCEPCIONAL PREVALÊNCIA DA REALIDADE FACTUAL DIANTE DE REGRAS POSITIVADAS PROIBITIVAS DO TRABALHO DO INFANTE. ENTENDIMENTO ALINHADO À ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DA TNU. ATIVIDADE CAMPESINA DEVIDAMENTE COMPROVADA. AGRAVO INTERNO DO SEGURADO PROVIDO.
1. Cinge-se a controvérsia em reconhecer a excepcional possibilidade de cômputo do labor de menor de 12 anos de idade, para fins previdenciários. Assim, dada a natureza da questão envolvida, deve a análise juducial da demanda ser realizada sob a influência do pensamento garantístico, de modo a que o julgamento da causa reflita e espelhe o entendimento jurídico que confere maior proteção e mais eficaz tutela dos direitos subjetivos dos hipossuficientes.
2. Abono da legislação infraconstitucional que impõe o limite mínimo de 16 anos de idade para a inscrição no RGPS, no intuito de evitar a exploração do trabalho da criança e do adolescente, ancorado no art. 7o., XXXIII da Constituição Federal. Entretanto, essa imposição etária não inibe que se reconheça, em condições especiais, o tempo de serviço de trabalho rural efetivamente prestado pelo menor, de modo que não se lhe acrescente um prejuízo adicional à perda de sua infância.
3. Nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o art. 7o., XXXIII, da Constituição não pode ser interpretado em prejuízo da criança ou adolescente que exerce atividade laboral, haja vista que a regra constitucional foi criada para a proteção e defesa dos Trabalhadores, não podendo ser utilizada para privá-los dos seus direitos (RE 537.040/SC, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, DJe 9.8.2011). A interpretação de qualquer regra positivada deve atender aos propósitos de sua edição; no caso de regras protetoras de direitos de menores, a compreensão jurídica não poderá, jamais, contrariar a finalidade protetiva inspiradora da regra jurídica.
4. No mesmo sentido, esta Corte já assentou a orientação de que a legislação, ao vedar o trabalho infantil, teve por escopo a sua proteção, tendo sido estabelecida a proibição em benefício do menor e não em seu prejuízo. Reconhecendo, assim, que os menores de idade não podem ser prejudicados em seus direitos trabalhistas e previdenciário, quando comprovado o exercício de atividade laboral na infância.
5. Desta feita, não é admissível desconsiderar a atividade rural exercida por uma criança impelida a trabalhar antes mesmo dos seus 12 anos, sob pena de punir duplamente o Trabalhador, que teve a infância sacrificada por conta do trabalho na lide rural e que não poderia ter tal tempo aproveitado no momento da concessão de sua aposentadoria. Interpretação em sentido contrário seria infringente do propósito inspirador da regra de proteção.
6. Na hipótese, o Tribunal de origem, soberano na análise do conjunto fático-probatório dos autos, asseverou que as provas materiais carreadas aliadas às testemunhas ouvidas, comprovam que o autor exerceu atividade campesina desde a infância até 1978, embora tenha fixado como termo inicial para aproveitamento de tal tempo o momento em que o autor implementou 14 anos de idade (1969).
7. Há rigor, não há que se estabelecer uma idade mínima para o reconhecimento de labor exercido por crianças e adolescentes, impondo-se ao julgador analisar em cada caso concreto as provas acerca da alegada atividade rural, estabelecendo o seu termo inicial de acordo com a realidade dos autos e não em um limite mínimo de idade abstratamente pré-estabelecido. Reafirma-se que o trabalho da criança e do adolescente deve ser reprimido com energia inflexível, não se admitindo exceção que o justifique; no entanto, uma vez prestado o labor o respectivo tempo deve ser computado, sendo esse cômputo o mínimo que se pode fazer para mitigar o prejuízo sofrido pelo infante, mas isso sem exonerar o empregador das punições legais a que se expõe quem emprega ou explora o trabalho de menores.
8. Agravo Interno do Segurado provido.
É pacífico o entendimento de que o tempo de labor rural anterior ao documento mais antigo pode ser reconhecido mediante convincente prova testemunhal.
A legislação previdenciária define regime de economia familiar como atividade exercida em mútua dependência e colaboração entre membros da família, essencial à subsistência e desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar, sem utilização de empregados permanentes. A jurisprudência e a legislação estabelecem que tal regime pode ser descaracterizado quando a atividade rural gera rendimentos superiores à mera subsistência, permitindo aquisição de patrimônio, conforme artigo 11, VII, §§ 9º e 10º da Lei 8.213/1991.
No caso, os documentos não comprovam atividade em regime de economia familiar pelo período pretendido. Os documentos em nome dos genitores referem-se a período anterior ao nascimento do autor. Os documentos em nome do autor iniciam-se apenas em 1977, quando já possuía atividade remunerada com registro em CTPS, descaracterizando a condição de segurado especial. Os certificados de cursos de qualificação profissional são posteriores ao registro como empregado urbano (ID 130564470, f. 38/66).
O autor requer o reconhecimento da atividade especial exercida nos períodos: 05/11/1977 a 05/02/1981, 01/09/1981 a 11/04/1983, 01/09/1984 a 30/03/1985, 01/08/1985 a 03/08/1986, 16/08/2004 a 08/06/2009, 05/07/2010 a 10/08/2010, 26/03/2012 a 29/11/2013, 22/07/2014 a 08/04/2015.
A r. sentença (ID 130564471, f. 92/96) reconheceu como especiais os períodos: (1) 05/11/1977 a 05/02/1981; (2) 01/09/1981 a 11/04/1983; (3) 01/09/1984 a 30/03/1985, mediante enquadramento legal da atividade profissional; e (4) 16/08/2004 a 08/06/2009; (5) 26/03/2012 a 29/11/2013; (6) 22/07/2014 a 08/04/2015, após análise do PPP. Restam controvertidos os períodos de 01/08/1985 a 03/08/1986 e 05/07/2010 a 10/08/2010.
Importante observar que a especialidade do tempo de trabalho é reconhecida mediante enquadramento legal da atividade profissional até 28 de abril de 1995, por meio de formulários ou informativos no período de 29 de abril de 1995 a 10 de dezembro de 1997, e através de laudo técnico ou Perfil Profissiográfico Previdenciário a partir de 11 de dezembro de 1997.
Quanto ao período de 01/08/1985 a 03/08/1986, o autor sustenta ter exercido atividade rural nas fazendas Santa Maria e São Sebastião, no município de Brasilândia/MS. Diferentemente dos demais períodos anteriores a 1995, quando exerceu função de tratorista rural e operador de máquinas, tal atividade não caracterizou labor especial passível de enquadramento legal.
A função de tratorista exercida em estabelecimento agrícola tem natureza rural conforme a Classificação Brasileira de Ocupações do Ministério do Trabalho e Emprego. Sua equiparação a empregado urbano em determinadas situações não afasta a condição de empregado rural, sendo equiparada à profissão de motorista apenas para fins de reconhecimento de atividade especial mediante enquadramento por categoria profissional (Súmula 70 da TNU, precedentes do TRF4 e STJ), sem perder a qualidade de trabalhador rural.
No período de 05/07/2010 a 10/08/2010, observa-se no PPP (ID 130564470, f. 81/82) que o autor ficou exposto ao fator de risco ruído, constando "avaliação qualitativa". Tratando-se de agente nocivo ruído, a comprovação da exposição demanda avaliação técnica para aferição do nível em relação aos limites de tolerância estabelecidos nos diversos períodos, exigindo avaliação quantitativa. Por ausência de comprovação de exposição ao fator de risco ruído acima dos limites legais, o período não deve ser considerado como labor especial.
Considerado o trabalho adicional realizado pelos advogados, em decorrência da interposição de recurso, majoro os honorários advocatícios em 1% (um por cento), sobre o valor arbitrado na sentença, nos termos do artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil, observados os termos da Súmula nº 111 e de acordo com o decidido no Tema 1105, ambos do Superior Tribunal de Justiça.
Ante o exposto, nego provimento à apelação.
É como voto.