O Juiz Federal Convocado Ney Gustavo Paes de Andrade (Relator):
Trata-se de ação objetivando a concessão de aposentadoria por idade urbana e a retificação da Certidão de Tempo de Contribuição expedida pelo INSS.
A parte autora postulou a concessão de aposentadoria por idade no âmbito do RGPS, bem como a retificação da Certidão de Tempo de Contribuição - CTC expedida pelo INSS, a fim de incluir períodos e reconhecer atividade especial com fator de conversão.
Quanto à pretensão de retificação da Certidão de Tempo de Contribuição, o tempo de serviço já certificado e aproveitado perante o RPPS municipal não pode ser novamente computado no RGPS, diante da vedação contida no artigo 96 da Lei 8.213/1991, que impede a contagem recíproca em condições especiais ou de forma duplicada.
Ademais, inexiste amparo legal para a emissão de CTC com conversão de tempo especial em comum, entendimento pacificado no STJ:
EREsp 524267/PB, Rel. Min. JORGE MUSSI, DJe 24/03/2014: "PREVIDENCIÁRIO E ADMINISTRATIVO - TEMPO DE SERVIÇO - CONTAGEM RECÍPROCA - ATIVIDADE INSALUBRE PRESTADA NA INICIATIVA PRIVADA -CONTAGEM ESPECIAL PARA FINS DE CONCESSÃO DE APOSENTADORIA NO SERVIÇO PÚBLICO - IMPOSSIBILIDADE - EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA ACOLHIDOS. 1. O REsp 534.638/PR, relatado pelo Excelentíssimo Ministro Félix Fischer, indicado como paradigma pela Autarquia Previdenciária, espelha a jurisprudência sedimentada desta Corte no sentido de que, objetivando a contagem recíproca de tempo de serviço, vale dizer, a soma do tempo de serviço de atividade privada (urbana ou rural) ao serviço público, não se admite a conversão do tempo de serviço especial em comum, ante a expressa proibição legal (artigo 4º, I, da Lei 6.226/75 e o artigo 96, I, da Lei 8.213/91). Precedentes. 2. Embargos de divergência acolhidos para dar-se provimento ao recurso especial do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, reformando-se o acórdão recorrido para denegar-se a segurança."
Assim, ainda que se admitisse a especialidade do labor alegado, a pretensão não poderia ser acolhida, ante a ausência de previsão normativa que autorize a emissão de certidão nessa conformidade.
Relativamente à aposentadoria por idade, esta encontra previsão nos artigos 48 a 51 da Lei 8.213/1991 e nos artigos 51 a 55 do Decreto 3.048/1999, exigindo, cumulativamente, a idade mínima de 65 anos para homens ou 60 anos para mulheres, além de 180 contribuições mensais. Para os segurados filiados antes de 24 de julho de 1991, aplica-se a regra de transição prevista no artigo 142 da Lei 8.213/1991.
A EC 103/2019 extinguiu a aposentadoria sem idade mínima, estabelecendo para segurados filiados ao RGPS antes da reforma que o benefício pode ser concedido desde que o tempo mínimo de contribuição tenha sido alcançado após 13 de novembro de 2019 e sejam atendidos os requisitos de uma das cinco regras de transição previstas nos artigos 15 a 20 da referida emenda. Para segurados filiados ao RGPS após a EC 103/2019, os requisitos são: 65 anos de idade e 20 anos de contribuição para homens; e 62 anos de idade e 15 anos de contribuição para mulheres.
A Lei 10.666/2003 estabeleceu, em seu artigo 3º, § 1º, que a perda da qualidade de segurado não impede a concessão da aposentadoria por idade, desde que o interessado tenha, na data do requerimento, o tempo de contribuição correspondente à carência exigida. Dessa forma, a perda da qualidade de segurado não obsta a concessão do benefício, desde que preenchidos os requisitos legais, ainda que não simultaneamente.
No caso concreto, a parte autora nasceu em 26/08/1954 (ID 263610189), tendo completado 60 anos em 2014. Na data do requerimento administrativo (26/08/2019), já havia cumprido o requisito etário. Quanto à carência, o artigo 142 da Lei 8.213/1991 exige 180 contribuições mensais. No entanto, o INSS reconheceu apenas 152 meses de contribuição, quantidade insuficiente para a concessão do benefício.
Embora pretenda o reconhecimento de tal período como de atividade especial para fins de cumprimento de carência e consequente concessão da aposentadoria por idade, tal pretensão não encontra amparo jurídico. A conversão de tempo especial em comum não interfere na carência, instituto que, conforme dispõe o artigo 24 da Lei 8.213/1991, corresponde ao número mínimo de contribuições mensais efetivamente vertidas, não se admitindo contagem fictícia. Assim, a utilização de tempo especial convertido não pode ser considerada para fins de cumprimento da carência legal.
Nesse sentido, precedente do STJ:
AgRg nos EDcl no REsp 1558762/SP, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 26/04/2016: "PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR IDADE URBANA. CONVERSÃO DE TEMPO ESPECIAL EM COMUM PARA PREENCHIMENTO DE CARÊNCIA. DESCABIMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE CONTAGEM DE TEMPO FICTA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. O presente agravo regimental objetiva desconsiderar decisão que, em observância à jurisprudência do STJ, não permitiu o aproveitamento do tempo especial convertido em comum para preenchimento de carência da aposentadoria por idade urbana. 2. Observou-se a jurisprudência do STJ no sentido de que para concessão de aposentadoria por idade urbana, exige-se do segurado a efetiva contribuição, disso decorrendo que o tempo especial convertido em comum não pode ser aproveitado para fins de carência. 3. Agravo regimental não provido."
Contudo, verifica-se que os recolhimentos previdenciários na condição de contribuinte individual, referentes ao período de 01/10/2003 a 26/08/2019, totalizando 15 anos, 11 meses e 1 dia, foram regularmente efetuados e encontram-se devidamente registrados no CNIS (NIT 123.01316.70-1 - ID 263610186). A certidão de inscrição no respectivo Conselho de Classe (ID 263610190) confirma o efetivo exercício da profissão de médico, caracterizando o enquadramento do autor como segurado autônomo, contribuinte individual.
Assim, resta preenchido o requisito da carência, eis que na data do requerimento administrativo (26/08/2019) o autor contava com mais de 180 contribuições mensais. Dessa forma, presentes os dois requisitos indispensáveis à concessão do benefício, a parte autora faz jus à concessão da aposentadoria por idade urbana, nos termos do artigo 48 da Lei 8.213/1991.
As parcelas vencidas deverão ser objeto de um único pagamento e serão corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora em conformidade com o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no RE 870.947 (Tema 810 da Repercussão Geral), até a entrada em vigor da EC 113/2021, quando então passará a incidir, de forma exclusiva, a taxa Selic, conforme disposto no Manual de Cálculos da Justiça Federal e na Nota Técnica 02/2025 do CJF, emitida após a entrada em vigor da EC 136/2025.
Com a inversão da sucumbência, cabe à autarquia arcar com o ressarcimento das despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autora e honorários advocatícios de 10% sobre o valor da condenação até a data da decisão que reconheceu o direito do segurado, excluídas as prestações vencidas após a sua prolação, nos termos da Súmula 111 e do Tema 1105, ambos do STJ.
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação para conceder o benefício de aposentadoria por idade, a partir do requerimento administrativo (D.E.R. 26/08/2019), observada eventual prescrição quinquenal, devendo ser implantado em até 30 dias.
É como voto.