O Juiz Federal Convocado Bruno Cezar da Cunha Teixeira (Relator):
Trata-se de apelação interposta em ação objetivando o reconhecimento de tempo especial de trabalho para fins previdenciários. A r. sentença julgou parcialmente procedente o pedido para reconhecer a especialidade apenas dos períodos de 03/10/1989 a 01/02/1994, 02/03/1999 a 02/12/1999, 07/02/2000 a 01/08/2012 e de 17/10/2013 a 18/12/2015 em que o autor laborou na função de eletricista.
Apelou o INSS sustentando a improcedência dos pedidos e o autor com interposição de recurso adesivo pugnando pelo reconhecimento da especialidade dos períodos laborados como ajudante de motorista, trabalhador rural, tratorista e eletricista, com a consequente concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição. Não houve contrarrazões.
Não assiste razão à autarquia federal.
Nos períodos de 14/07/1983 a 13/10/1983 e 01/03/1984 a 30/08/1984, em que o autor laborou na função de "ajudante de caminhão", não há como reconhecer a especialidade dos períodos, por completa ausência de provas.
As atividades de motorista e cobrador de ônibus, motorista e ajudantes de caminhão eram classificadas como penosas no item 2.4.4 do Quadro Anexo ao Decreto 53.831/1964. As de motorista de ônibus e de caminhões de carga (ocupados em caráter permanente) também eram classificadas como especial no item 2.4.2 do Anexo II ao Decreto 83.080/1979.
Nesses termos, até a edição da Lei 9.032/1995, não é exigível a prova da exposição aos agentes nocivos, sendo presumida, já que a comprovação da exposição só passou a ser exigida a partir de 28/041995. Porém, a presunção se refere apenas à exposição aos agentes nocivos, sendo necessário provar nos autos qual tipo de veículo era conduzido pelo autor, a fim de que exista espaço para ampliação ou limitação das inferências do enquadramento.
Com base nessas breves considerações, vê-se desde logo que não há como se reconhecer como especial o período laborado como ajudante de caminhão, uma vez que a única prova a respeito é sua CTPS, a qual não menciona se o autor era motorista de caminhão ou de carga. Outras provas poderiam ser produzidas desde logo pelo autor, como registros documentais existentes na própria empresa a respeito dos tipos de caminhões utilizados na atividade empresarial e seus condutores.
Quanto à função de trabalhador rural referente aos períodos de 27/10/1984 a 31/08/1985, destaca-se que, em se tratando de empregado rural de empresa agroindustrial ou agrocomercial, é devido o reconhecimento de tempo especial por enquadramento em categoria profissional, com fulcro no item 2.2.1 do quadro anexo do Decreto 53.831/64 (agricultura - trabalhadores na agropecuária).
Nesses termos, o enquadramento como tempo especial do labor rural até 28/04/1995 somente deve ser reconhecido ao empregado de empresa agroindustrial ou agrocomercial, independentemente de a prestação de serviços em agricultura e pecuária dar-se ou não simultaneamente, haja vista que a norma não faz tal exigência, motivo pelo qual cabe o reconhecimento da especialidade dos períodos de 27/10/1984 a 31/08/1985.
Quanto ao pedido de reconhecimento da atividade de tratorista como especial, frisa-se que as profissões de operador de máquinas e operador de máquina pesada, principalmente com utilização de trator, podem ser consideradas especiais por analogia às ocupações profissionais descritas nos itens 2.4.4 do Decreto 53.831/1994 (motoristas e ajudantes de caminhão) e no item 2.4.2 do Decreto 83.080/1979 (motorista de ônibus e de caminhões de cargas), considerando a similaridade das atividades.
Nesse sentido, a Súmula 70 da TNU dispõe sobre a atividade de tratorista, equiparando-a à de motorista de caminhão para fins de reconhecimento de atividade especial mediante enquadramento por categoria profissional. Os períodos não reconhecidos como especiais na sentença não observaram o enquadramento por categoria, cabendo o reconhecimento da especialidade nos períodos de 01/04/1985 a 14/08/1986, diante do enquadramento por categoria profissional.
Conforme consta na CTPS anexada aos autos, de 24/08/1988 a 30/09/1989 o autor laborou na função de servente, a qual também não pode ser considerada como atividade especial, com base na Súmula 71 da TNU, que dispõe que o mero contato do pedreiro com o cimento não caracteriza condição especial de trabalho para fins previdenciários.
A ocupação correspondente ao código 2.3.3 do Decreto 53.831/1964 diz respeito aos trabalhadores em edifícios, barragens e pontes. O agente nocivo correspondente ao código 1.2.10 do Decreto 83.080/1979 diz respeito a hidrocarbonetos e outros compostos de carbono, relacionados ao processo de fabricação. Não é o caso do mero contato ou manuseio do cimento. Nesse sentido: ApCiv 5351807-51.2020.4.03.9999, Rel. Des. Fed. INES VIRGINIA PRADO SOARES, DJe 17/12/2021.
Tratando-se de agente nocivo eletricidade, restou superada a questão relacionada à sua supressão do rol do Decreto 2.172/1997, nos termos do entendimento adotado no REsp 1.306.113/SC, representativo de controvérsia, pela Primeira Seção do STJ. É cabível o enquadramento como atividade especial do trabalho exposto ao agente perigoso eletricidade, exercido após a vigência do Decreto 2.172/1997, para fins de aposentadoria especial, desde que a atividade exercida esteja devidamente comprovada pela exposição aos fatores de risco de modo permanente, não ocasional, nem intermitente, em condições especiais.
Comprovado o exercício de atividades envolvendo eletricidade, sua natureza revela que, mesmo na utilização de equipamentos de proteção individual considerados eficazes, não é possível afastar o trabalho em condições especiais, tendo em vista a periculosidade a que fica exposto o profissional. Neste sentido: AC 0004579-85.2016.4.03.6183/SP, Rel. Des. Fed. LÚCIA URSAIA, DJe 07/02/2018. Ressalta-se que a exposição intermitente caracteriza a especialidade do labor por se tratar de função perigosa, conforme ApCiv 5001422-80.2017.4.03.6119, Rel. Des. Fed. CARLOS EDUARDO DELGADO, DJe 05/04/2021.
Considerando que foi comprovado que a atividade exercida pelo autor se enquadra como especial, em razão da exposição habitual ao agente nocivo eletricidade e que o condicionamento do segurado ao fator de risco eletricidade garante aposentadoria especial após o cumprimento de 25 anos de contribuição, é necessário e justo que o segurado tenha acesso ao benefício pleiteado.
Assim, cabe o reconhecimento da especialidade, através de enquadramento por categoria profissional, dos seguintes períodos em que autor tenha laborado exposto ao agente nocivo eletricidade: 03/10/1989 a 01/02/1994, 02/03/1999 a 02/12/1999, 07/02/2000 a 01/08/2012 e de 17/10/2013 a 18/12/2015.
Digno de nota destacar que o período de 11/01/2016 a 05/04/2016 não pode ser considerado como especial, diante da ausência do Perfil Profissiográfico Previdenciário, o qual é necessário a partir de 01/01/2004, de acordo com a IN 95/2003, devendo ser considerado referido interregno como comum.
Somando-se aos períodos em que o autor esteve exposto aos agentes nocivos mencionados, tem-se, ainda, o período em que esteve em gozo do benefício de auxílio doença de 14/12/2002 a 02/04/2003, 14/06/2012 a 24/11/2012 e de 10/06/2015 a 11/11/2015.
Importante destacar que o reconhecimento do período citado como especial tem como base o julgamento do Tema 1125 em repercussão geral do STF, sendo fixada a constitucionalidade do cômputo, para fins de carência, do período no qual o segurado esteve em gozo do benefício de auxílio-doença (STF, Plenário, RE 1.298.832-RG, DJe 25/02/2021 Rel. Min. LUIZ FUX).
Assim, é possível o cômputo de tempo de contribuição/carência do período em que o segurado esteve recebendo auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez (entre períodos de atividade), bem como o período em que o segurado esteve recebendo benefício por incapacidade por acidente do trabalho (intercalado ou não). Nesse sentido, é a jurisprudência desta Corte: ApCiv 0035897-50.2017.4.03.9999, Rel. Des. Fed. CARLOS EDUARDO DELGADO DJe: 06/10/2020.
Ressalta-se inexistir impedimento para que o segurado individual não cooperado obtenha o reconhecimento de atividade especial, desde que efetivamente demonstrada a exposição a agente agressivo, nos termos da legislação de regência aplicável em cada época. Nesse sentido, o entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça: 2ª Turma, REsp 1436794/SC, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe: 28/09/2015.
Logo, o período de 01/05/2016 a 30/11/2019 em que o autor contribuiu individualmente para a Previdência Social deve ser considerado na contagem como tempo comum.
Sendo o requerimento do benefício posterior à Lei 8.213/1991, deve ser aplicado o fator de conversão de 1,40, quando se tratar de homem, ou o fator de conversão 1,20, se mulher, pois mais favorável ao segurado, como determina o artigo 70 do Decreto 3.048/1999, com a redação dada pelo Decreto 4.827/2003.
Cabe a reforma da sentença para reconhecimento dos seguintes períodos: 1) de 14/07/1983 a 13/10/1983 (ajudante de motorista), contado como comum; 2) de 01/03/1984 a 30/08/1984 (ajudante de motorista), contado como comum; 3) de 27/10/1984 a 31/03/1985 (trabalhador rural), contado como especial 25; 4) de 01/04/1985 a 14/08/1986 (tratorista), contado como especial 25; 5) de 24/08/1988 a 30/09/1989 (servente), contado como comum; 6) de 03/10/1989 a 01/02/1994 (eletricista), contado como especial 25; 7) de 02/03/1999 a 02/12/1999 (eletricista), contado como especial 25; 8) de 07/02/2000 a 01/08/2012 (eletricista), contado como especial 25; 9) de 02/08/2012 a 24/11/2012 (aux. doença), contado como especial 25; 10) de 17/10/2013 a 18/12/2015 (eletricista), contado como especial 25; 11) de 11/01/2016 a 05/04/2016 (eletricista (sem PPP)), contado como comum; e 12) de 01/05/2016 a 30/09/2019 (contribuinte individual), contado como comum.
Dessa forma, em 30/09/2019, verifica-se que o autor tem direito ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição integral desde a DER, com fundamento no artigo 1º da EC 20, que altera a Constituição Federal em seu artigo 201, §7º, I, pois (1) cumpriu o requisito temporal, com 36 anos, 1 mês e 4 dias, para o mínimo de 35 anos; e (2) cumpriu a carência com 336 meses, para o mínimo de 180 meses.
As parcelas vencidas deverão ser objeto de um único pagamento e serão corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora em conformidade com o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no RE 870.947 (Tema 810 da Repercussão Geral), até a entrada em vigor da EC 113/2021, quando então passará a incidir, de forma exclusiva, a taxa Selic, conforme disposto no Manual de Cálculos da Justiça Federal e na Nota Técnica 02/2025 do CJF, emitida após a entrada em vigor da EC 136/2025.
Inverto a sucumbência e fixo os honorários advocatícios a cargo do INSS em 10% do valor da condenação até a data da decisão que reconheceu o direito do segurado, excluídas as prestações vencidas após a sua prolação, nos termos da Súmula 111 e de acordo com o decidido no Tema 1.105, ambos do STJ.
Considerado o trabalho adicional realizado pelo advogado, em decorrência da interposição de recurso, os honorários advocatícios a cargo do INSS, por ocasião da liquidação, deverão ser acrescidos de percentual de 1% (um por cento), nos termos do artigo 85, §11, do CPC, observados os termos da Súmula 111 e de acordo com o decidido no Tema 1.105, ambos do STJ.
Ante o exposto, nego provimento à apelação do INSS e dou provimento ao recurso adesivo da parte autora para reforma da sentença, nos termos supracitados.
É como voto.