O Juiz Federal Convocado Bruno Cezar da Cunha Teixeira (Relator):
Trata-se de ação objetivando a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição com conversão de tempo especial em comum.
Faz-se necessário abordar, ainda que brevemente, os diversos meios de prova da exposição aos agentes nocivos à saúde, estabelecidos na lei e regulamentos para cada período.
Até 28 de abril de 1995, o reconhecimento da atividade especial baseava-se no enquadramento por atividade profissional ou ocupação, além dos agentes nocivos especificados, admitindo-se qualquer meio de prova válido, incluindo formulários próprios do INSS, CTPS e, posteriormente, PPP.
A Lei 9.032/1995 estabeleceu novas exigências - trabalho permanente e exposição a agentes nocivos prejudiciais à saúde - incompatíveis com o regime anterior de enquadramento por categoria profissional. A comprovação da efetiva exposição passou a exigir formulários próprios do INSS, laudo técnico para ruído e calor, ou PPP.
A partir de 10 de dezembro de 1997, com a Lei 9.528/1997, tornou-se obrigatório laudo técnico de condições ambientais para comprovação da exposição aos agentes nocivos, conforme jurisprudência consolidada desta Corte na Apelação Cível 5001130-92.2022.4.03.6128:
"Até 28.04.1995, a especialidade poderia ser reconhecida sem comprovação da exposição, desde que a atividade estivesse enquadrada nos decretos n° 53.831/64 ou n° 83.080/1979, sendo possível e desejável o uso de analogia, para considerar a inserção de determinada categoria profissional, aproximando os diversos grupos de trabalhadores que se enquadrem em atividades assemelhadas, a fim de evitar situações injustas, acarretando sua não aplicação.
Após 28.04.1995, com o advento da Lei 9.032/1995, o segurado passou a ter que comprovar a exposição permanente a agentes prejudiciais à saúde, de forma permanente, não ocasional nem intermitente; entendendo-se como permanente, o trabalho em que a exposição ao agente nocivo é indissociável da produção ou serviço.
As condições especiais de trabalho podem ser provadas pelos instrumentos previstos nas normas de proteção ao ambiente laboral (PPRA, PGR, PCMAT, PCMSO, LTCAT, PPP, SB-40, DISES BE 5235, DSS-8030, DIRBEN-8030 e CAT), sem prejuízos de outros meios de prova, sendo de se frisar que apenas a partir da edição do Decreto 2.172, de 05.03.1997, tornou-se exigível a apresentação de laudo técnico a corroborar as informações constantes nos formulários, salvo para o agente ruído e calor, que sempre exigiu laudo técnico. Todavia, consoante entendimento já sufragado por esta Turma, por se tratar de matéria reservada à lei, tal decreto somente teve eficácia a partir da edição da Lei n 9.528, de 10/12/1997.
O artigo 58 da Lei 8.213/91 dispõe que cabe ao Poder Público definir quais agentes configuram o labor especial e a forma como este será comprovado. A relação dos agentes reputados nocivos pelo Poder Público é trazida, portanto, por normas regulamentares consideradas exemplificativas (Tema Repetitivo 534, REsp 1306113/SC), de que é exemplo o Decreto n. 2.172/97. Assim, se a atividade exercida pelo segurado realmente importar em exposição a fatores de risco, ainda que ela não esteja prevista em regulamento, é possível reconhecê-la como especial.
A partir de 01.01.2004, é obrigatório o fornecimento do PPP - Perfil Profissiográfico Previdenciário aos segurados expostos a agentes nocivos, documento que retrata o histórico laboral do segurado, evidencia os riscos do respectivo ambiente de trabalho e consolida as informações constantes nos instrumentos previstos nas normas de proteção ao ambiente laboral antes mencionados."
Irresignado com a r. sentença, o réu interpôs apelação.
A controvérsia cinge-se ao reconhecimento como atividade especial dos períodos: 01/09/1987 a 26/06/1998; 02/05/1989 a 15/09/1989; 01/10/1989 a 26/02/1992; 01/06/1992 a 31/12/1994; 01/07/1995 a 31/12/1997; e 02/03/1998 a fevereiro/2016.
É possível considerar especial a atividade do autor em razão da periculosidade do labor pelo manuseio de produtos inflamáveis, sujeitos à explosão, risco não atenuado pelo uso de EPI.
Registro que a comercialização de combustíveis consta do anexo V ao Decreto 3.048/1999 (na redação dada pelo Decreto 6.957/2009) como atividade de risco, sob o código 4731-8/00, com alíquota 3 (máxima). De outra parte, estabelece o Anexo 2 da NR16 (Decreto 3.214/1978) que as operações em postos de serviço e bombas de abastecimento de inflamáveis líquidos são perigosas.
Nesse sentido, a jurisprudência da 7ª Turma:
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5005806-57.2019.4.03.6106, Rel. Des. Fed. MARCELO VIEIRA DE CAMPOS, julgado em 22/06/2023, DJEN DATA: 27/06/2023 PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. APOSENTADORIA ESPECIAL. COMPROVAÇÃO DAS CONDIÇÕES ESPECIAIS. ENQUADRAMENTO PROFISSIONAL. FRENTISTA. SUBSTÂNCIAS INFLAMÁVEIS. PERICULOSIDADE. IMPLEMENTAÇÃO DOS REQUISITOS. DIB. SUCUMBÊNCIA RECURSAL. HONORÁRIOS DE ADVOGADO MAJORADOS.
1. Deve ser observada a legislação vigente à época da prestação do trabalho para o reconhecimento da natureza da atividade exercida pelo segurado e os meios de sua demonstração.
2. A especialidade do tempo de trabalho é reconhecida por mero enquadramento legal da atividade profissional (até 28/04/95), por meio da confecção de informativos ou formulários (no período de 29/04/95 a 10/12/97) e via laudo técnico ou Perfil Profissiográfico Previdenciário (a partir de 11/12/97).
3. Comprovada a profissão de frentista, é inerente a exposição habitual e permanente a hidrocarbonetos de petróleo, o torna a atividade especial, enquadrando-se no código 1.2.11 do Decreto nº 53.831/64 e no item 1.2.10 do Decreto nº 83.080/79.
4. A periculosidade decorrente da exposição a substâncias inflamáveis dá ensejo ao reconhecimento da especialidade da atividade, porque sujeita o segurado à ocorrência de acidentes e explosões que podem causar danos à saúde ou à integridade física, nos termos da Súmula 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos e da Portaria 3.214/78, NR 16 anexo 2. (STJ - REsp 1587087, Min. GURGEL DE FARIA e REsp 1.500.503, Relator Min NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO).
5. A soma dos períodos redunda no total de mais de 25 anos de tempo de serviço especial, o que autoriza a concessão da aposentadoria especial, nos termos do art. 57 da Lei nº 8.213/91.
6. DIB na data do primeiro requerimento administrativo.
7. Sucumbência recursal. Honorários de advogado majorados em 2% do valor arbitrado na sentença. Artigo 85, §11, Código de Processo Civil/2015.
8. Apelação da parte autora provida. Apelação do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS não provida.
ApCiv 5014900-21.2021.4.03.6183, Rel. Des. Fed. INES VIRGINIA PRADO SOARES, julgado em 17/11/2023, Intimação via sistema DATA: 23/11/2023 APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. TRABALHO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS. CAIXA. FUNÇÕES ADMINISTRATIVAS. GERENTE DE POSTO DE COMBUSTÍVEL. ATIVIDADE DE ABASTECIMENTO DE VEÍCULOS. AGENTES QUÍMICOS. PERFIL PROFISSIOGRÁFICO IDÔNEO. HABITUALIDADE. EPI INEFICAZ. TEMPO INSUFICIENTE PARA A CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS MANTIDOS. HONORÁRIOS RECURSAIS INDEVIDOS. APELAÇÃO PROVIDA EM PARTE.
- Recebida a apelação nos termos do Código de Processo Civil/2015.
(...)
- No desempenho da função de caixa de 01/06/1999 a 31/07/2003 não está presente, dentre suas atividades, por exemplo, a execução do abastecimento de veículos, esta sim atividade considerada especial, pela exposição habitual e permanente a agentes químicos e pelo risco de explosão.
- Não se olvida que o Anexo 2 da NR16 (Decreto nº 3.214/78) estabelece que as operações em postos de serviço e bombas de abastecimento de inflamáveis líquidos são perigosas, nem o disposto na Súmula 212 do STF, a qual dispõe que "tem direito ao adicional de serviço perigoso o empregado de posto de revenda de combustível líquido". No entanto, a insalubridade é notadamente verificada em se tratando de operador de bomba (frentista), não correspondendo à hipótese de serviços gerais, encarregado, caixa e gerente de posto de gasolina.- Cabe ressaltar, que o recebimento de adicional de periculosidade, não é suficiente para qualificar a atividade como especial, visto que desde a entrada em vigor da Lei nº 9.032/97, que deu nova redação ao artigo 57 da Lei nº 8.213/91, não existem mais hipóteses de insalubridade, periculosidade e penosidade presumidas, sendo imprescindível a existência de PPP ou laudo técnico das condições ambientais de trabalho para caracterização de atividade insalubre.
- No que diz respeitos aos períodos de 01/08/2003 a 30/09/2009 e de 01/09/2010 a 10/10/2013, apesar da função de gerente, uma das atribuições que competia ao segurado era o abastecimento de veículos, e no desempenho de suas atividades esteve exposto a lubrificantes, graxas, solventes, gasolina e etanol, que são hidrocarbonetos, o que permite o enquadramento da atividade como especial, conforme estabelecido pelos itens 1.2.11 do Decreto nº 53.831/64, 1.2.10 do Anexo I do Decreto nº 83.080/79 e 1.0.3, 1.0.8, 1.0.17 e 1.0.19 dos Decretos nºs. 2.172/97 e 3.048/99.
- Quanto ao lapso laboral de 02/05/2014 até a alteração da legislação, em que pese constar no PPP e no laudo técnico que o autor laborava exposto a agentes químicos, verifica-se que não está presente, dentre suas atividades, por exemplo, a execução do abastecimento de veículos, esta sim atividade considerada especial, pela exposição habitual e permanente a agentes químicos e pelo risco de explosão. Pelo contrário, o documento indica apenas o desempenho de atividades administrativas.
- (...)
- Apelação provida em parte.
Do exame dos autos, verifica-se que os períodos mencionados encontram-se registrados na CTPS (ID 132171525, f. 59/67), constando expressamente ter o autor exercido a função de frentista.
O laudo técnico pericial elaborado para verificação de exposição a riscos caracterizadores de condições especiais (ID 132171527, f. 35/63) é categórico ao afirmar:
" PORTANTO, DIANTE DO EXPOSTO, VERIFICOU-SE QUE HOUVE EXPOSIÇÃO DANOSA A AGENTES QUÍMICOS, POIS HAVIA CONTATO COM ÓLEOS MINERAIS E HIDROCARBONETOS NA REALIZAÇÃO DAS ATIVIDADES DIÁRIAS DO RECLAMANTE, E DESTA FORMA, AS CONDIÇÕES EVIDENCIADAS FORAM ENSEJADORAS DO DIREITO À APOSENTADORIA ESPECIAL POR TODO O PERÍODO QUE LABOROU NA FUNÇÃO DE FRENTISTA."
Em relação à necessidade de contemporaneidade dos laudos técnicos ambientais, registro que a Súmula 68 da Turma Nacional de Uniformização (TNU) estabelece que um laudo pericial não contemporâneo ao período trabalhado é válido para comprovar a atividade especial do segurado.
A ausência de informações no Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP sobre habitualidade e permanência da exposição ao agente nocivo não prejudica o segurado, uma vez que tais campos específicos não integram o formulário.
Confira-se, a respeito:
Emb Decl em AC nº 2009.61.20.001701-2/SP, Rel. Des. Fed. Luiz Stefanini, 8ª Turma, DE 23/08/2017.EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. FRENTISTA. HIDROCARBONETO. HABITUALIDADE E PERMANÊNCIA. ANÁLISE QUALITATIVA
(...)
- Quanto à comprovação da habitualidade e permanência da exposição ao agente especial, é necessário destacar que o PPP é formulário padronizado pelo próprio INSS conforme disposto no § 1º do artigo 58 da Lei 8.213/91.
- Dessa forma, é de competência do INSS a adoção de medidas para reduzir as imprecisões no preenchimento do PPP pelo empregador. Como os PPPs não apresentam campo específico para indicação de configuração de habitualidade e permanência da exposição ao agente, o ônus de provar a ausência desses requisitos é do INSS e deve ser superado no momento da contestação.
(...)
-Embargos de declaração a que se nega provimento."
Ademais, os requisitos de "habitualidade" e "permanência" devem ser interpretados com granus salis. Exigir do trabalhador exposição ininterrupta aos agentes agressivos durante toda a jornada laboral restringiria o benefício apenas àqueles com a saúde comprometida. Habitualidade pressupõe frequência, alcançada pelo exercício cotidiano de determinado trabalho ou função. Os conceitos de moderado ou alternado não se mostram excludentes da ideia de habitualidade.
A permanência deve ser compreendida da mesma forma. A exposição deve ser duradoura e capaz de prejudicar a saúde do trabalhador, sem exigir-se caráter ininterrupto, pois tal interpretação limitaria o direito à aposentadoria especial apenas ao trabalhador doente. A intermitência não afasta a especialidade do labor, desde que a exposição ocorra rotineiramente e de maneira duradoura.
Em análise do tema 422, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, assentou posicionamento de que "permanece a possibilidade de conversão do tempo de serviço exercido em atividades especiais para comum após 1998, pois a partir da última edição da MP nº 1.666-3, parcialmente convertida na Lei nº 9.711/98, a norma tornou-se definitiva sem a parte do texto que revogava o referido § 5º do art. 57 da Lei 8.213/91.
As parcelas vencidas deverão ser objeto de um único pagamento e serão corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora em conformidade com o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no RE 870.947 (Tema 810 da Repercussão Geral), até a entrada em vigor da EC 113/2021, quando então passará a incidir, de forma exclusiva, a taxa Selic, conforme disposto no Manual de Cálculos da Justiça Federal e na Nota Técnica 02/2025 do CJF, emitida após a entrada em vigor da EC 136/2025.
Considerado o trabalho adicional realizado pelos advogados, em decorrência da interposição de recurso, majoro os honorários advocatícios em 1% (um por cento), sobre o valor arbitrado na sentença, nos termos do artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil, observados os termos da Súmula nº 111 e de acordo com o decidido no Tema 1105, ambos do Superior Tribunal de Justiça.
Ante o exposto, nego provimento à apelação.
É como voto.