PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região - Turma Regional de Mato Grosso do Sul
Turma Regional de Mato Grosso do Sul
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5001253-83.2023.4.03.9999
RELATOR: Gab. C da Turma Regional de Mato Grosso do Sul
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOAO HAAS
Advogado do(a) APELADO: MARIA ANGELICA MENDONCA ROYG - MS8595-A
OUTROS PARTICIPANTES:
JUIZO RECORRENTE: COMARCA DE SÃO GABRIEL DO OESTE/MS - 2ª VARA
R E L A T Ó R I O
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Trata-se de apelação interposta em ação objetivando a concessão de aposentadoria rural por idade.
A r. sentença (ID 270387899, f. 57-62) julgou procedente o pedido, com tutela antecipada, para: (1) conceder a aposentadoria rural por idade, no valor de um salário mínimo, a ser implantada no prazo máximo de 30 (trinta) dias; (2) fixar a data de início do benefício a partir da data do requerimento administrativo; (3) determinar a correção monetária pelo INPC, a contar dos respectivos vencimentos, e os juros de mora nos termos do artigo 1º-F, da Lei 9.494/1997, a contar da citação; e (4) condenar o INSS ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, calculados sobre as prestações vencidas até a data da sentença, em percentual a ser fixado na fase de liquidação - com fixação em 10% caso o valor liquidado seja menor que 200 (duzentos) salários mínimos.
Apelou o INSS (ID 270387899, f. 68-89), com pedido de atribuição de efeito suspensivo, alegando, em suma: (1) ausência de início de prova material; e (2) necessidade de comprovação de atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício. Requereu a extinção do processo sem julgamento de mérito por falta de interesse de agir e, subsidiariamente: (1) anulação da sentença com determinação de que o autor realize o requerimento na via administrativa; (2) improcedência do pedido e inversão do ônus sucumbencial; (3) anulação da sentença com determinação de degravação dos depoimentos colhidos em audiência e prolação de nova decisão; (4) reforma do índice de correção monetária, conforme o tema 810/STF e fixação da verba sucumbencial em 10% (dez por cento) do valor da condenação.
Sentença submetida à remessa necessária.
Houve contrarrazões (ID 270387899, f. 94-97).
É o relatório.
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VOTO
O Juiz Federal Convocado Bruno Cezar da Cunha Teixeira (Relator):
Registra-se, inicialmente, que o artigo 496, §3º, I, do CPC, estabelece o duplo grau de jurisdição obrigatório nas condenações contra a União, suas autarquias e fundações de direito público, em valor superior a 1.000 salários-mínimos.
No caso dos autos, embora a r. sentença seja ilíquida, resta claro que a condenação ou o proveito econômico obtido na causa não ultrapassa o limite legal previsto, razão pela qual se afigura incorreta a submissão do presente feito à remessa necessária. Nesse sentido, colaciona-se precedente desta Corte: ApCiv 5010118-05.2020.4.03.6183, Rel. Des. Fed. JEAN MARCOS FERREIRA, DJEN 12/08/2025.
Passa-se, então, à analise da apelação.
A Lei 8.213/1991, estabelece no § 1º do artigo 48, os requisitos para a aposentadoria rural. Nessa modalidade, podem se aposentar a mulher, aos 55 (cinquenta e cinco) anos, e o homem, aos 60 (sessenta) anos, respeitado o período de carência.
O autor nasceu em 13/04/1959, cumprindo o requisito da idade mínima em 2019.
Considerando o ano do cumprimento do requisito etário, exige-se prova do exercício de atividade rural por 180 (cento e oitenta) meses para cumprimento do período de carência.
O autor alegou ter exercido atividade rural na colônia de terras Amadeu Sul, em Campina das Missões/RS, junto com os pais, em regime de economia familiar, produzindo soja, milho, feijão, mandioca e hortaliças, até completar 25 (vinte e cinco) anos. Após o casamento, em 1984, mudou-se com a esposa para o Paraguai, lá permaneceram até 2010, produzindo em regime de economia familiar mandioca, batata, milho, soja e trigo, além de criar gado bovino, suínos e aves. Em 2010 mudaram para São Gabriel do Oeste/MS, passando a plantar soja e milho na Chácara Fazenda Cabeceira da Capoeira.
Para comprovar o exercício da atividade rural, o autor apresentou:
Certidão de casamento em 25/07/1984, constando a profissão de lavrador (ID 270387896, f. 27);
Certificado de cadastro de imóvel rural da Fazenda Cabeceira da Capoeira, referente aos exercícios de 2010 a 2014 e 2019 (ID 270387896, f. 28; ID 270387897, f. 30);
Escritura pública de compra da Fazenda Cabeceira da Capoeira de 31/05/2011 (ID 270387896, f. 30-32);
Comprovante de inscrição no cadastro da agropecuária, com início da atividade em 12/08/2011 (ID 270387896, f. 37);
Declarações anuais do produtor rural referentes aos anos de 2011 e 2014 (ID 270387896, f. 38-39);
Notas fiscais de compra de insumos rurais emitidas em 2011, 2012, 2013, 2014 (ID 270387896, f. 40-44);
Notas de produtor em nome do pai, emitidas em 1972, 1973, 1974, 1975, 1976, 1977, 1978, 1979, 1980, 1981 e 1982 (ID 270387896, f. 45-50, 58-61; ID 270387897, f. 1-7);
Certidão emitida pela Justiça Eleitoral em 2016 informando que consta na inscrição eleitoral do autor a ocupação de agricultor (ID 270387896, f. 57);
Receitas agronômicas emitidas por profissional do CREA-MS referentes a problemas na plantação da Fazenda Cabeceira Capoeira, em 2014 (ID 270387897, f. 20-21 e 23-26); e
Notas de produtor rural emitidas no Paraguai, em 2003, 2004, 2005, 2006, 2007 e 2009 (ID 270387897, f. 47-56; ID 270387898, f. 1-11).
Os documentos apresentados são aptos a constituir início de prova material, porém, esse início de prova material demanda prova testemunhal idônea e robusta apta a ampliar sua eficácia probatória, conforme o entendimento do C. STJ:
AgInt no AREsp 1.939.810/SP, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 11/4/2022: A jurisprudência deste Superior Tribunal admite como início de prova material, para fins de comprovação de atividade rural, certidões de casamento e nascimento dos filhos, nas quais conste a qualificação como lavrador e, ainda, contrato de parceria agrícola em nome do segurado, desde que o exercício da atividade rural seja corroborado por idônea e robusta prova testemunhal.
TRF-3, 7ª Turma, ApCiv. 5140577-93.2020.4.03.9999, Dje 01/07/2020, Rel. Des. Fed. INÊS VIRGÍNIA: "(...) consoante entendimento desta Eg. Sétima Turma, admite-se a extensão da qualificação de lavrador em documento de terceiro - familiar próximo - quando se tratar de agricultura de subsistência, em regime de economia familiar".
As testemunhas declararam ter conhecido o autor há cerca de 20 anos, no Paraguai, onde ele trabalhava na lavoura em uma propriedade própria. Egidio narrou que o autor voltou ao Brasil em 2010 ou 2011, enquanto Hilda e Nelci não souberam precisar o período do retorno. Ambos afirmaram que o autor continua a trabalhar na lavoura, em propriedade própria, cultivando milho, soja e sorgo, junto com a esposa e os filhos.
Com efeito, está comprovado o labor rural no caso, devendo ser mantida a concessão do benefício.
O INSS reconheceu a qualidade de segurado especial do autor no período de 21/10/2010 a 30/04/2019, totalizando 103 contribuições (ID 270387897, f. 33-34).
Os depoimentos das testemunhas corroboram as provas documentais, possibilitando o reconhecimento do trabalho rural por período suficiente ao preenchimento da carência de 180 (cento e oitenta) meses, inclusive no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício. Não seria necessário que o início de prova material fosse referível a todo e singular ano que se pretenda comprovar; a prova documental que serve de início, corroborada pela segura e bem concatenada prova oral, poderia ser ampliada, de modo suficiente, para trás ou para frente. De modo ou outro, já o documento mais antigo traz, com segurança, a comprovação de tempo bastante à carência vindicada para a percepção do benefício.
Tratando os consectários legais de matéria de ordem pública, o efeito translativo do recurso permite a reapreciação da questão pelo órgão ad quem, ainda que de ofício. Nesse ponto, a sentença merece correção.
As parcelas vencidas deverão ser objeto de um único pagamento e serão corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora em conformidade com o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no RE 870.947 (Tema 810 da Repercussão Geral), até a entrada em vigor da EC 113/2021, quando então passará a incidir, de forma exclusiva, a taxa Selic, conforme disposto no Manual de Cálculos da Justiça Federal e na Nota Técnica 02/2025 do CJF, emitida após a entrada em vigor da EC 136/2025.
Considerando o trabalho adicional realizado pelos advogados, em decorrência da interposição da apelação, os honorários advocatícios, por ocasião da liquidação, deverão ser acrescidos de percentual de 1% (um por cento) sobre o valor arbitrado na sentença, nos termos do artigo 85, § 11, do CPC, observada a Súmula 111 do STJ.
Ante o exposto, não conheço da remessa necessária e nego provimento à apelação. Corrijo, de ofício, o capítulo da sentença referente aos consectários legais.
É como voto.
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E M E N T A
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DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO EM AÇÃO PREVIDENCIÁRIA. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. COMPROVAÇÃO DE ATIVIDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL E PROVA TESTEMUNHAL. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. REMESSA NECESSÁRIA NÃO CONHECIDA. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS.
I. Caso em exame
1. Apelação interposta pelo INSS contra sentença que julgou procedente pedido de concessão de aposentadoria rural por idade, determinando a implantação do benefício no valor de um salário mínimo, com data de início a partir do requerimento administrativo, correção monetária pelo INPC e juros de mora nos termos do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997. A sentença foi submetida à remessa necessária.
II. Questão em discussão
2. A questão em discussão consiste em saber se o autor comprovou o exercício de atividade rural por período suficiente ao cumprimento do período de carência de 180 meses para obtenção da aposentadoria rural por idade, considerando a necessidade de início de prova material, corroborada por prova testemunhal idônea.
III. Razões de decidir
3. A alegação do apelante foi rejeitada, porque os documentos apresentados constituem início de prova material válido, sim, incluindo certidão de casamento com profissão de lavrador desde 1984, certificados de cadastro de imóvel rural, escritura pública de compra de fazenda e diversos outros documentos que comprovam ou somenos indiciam a atividade rural, conforme jurisprudência do STJ no AgInt no AREsp 1.939.810/SP.
4. Ademais, os depoimentos das testemunhas corroboraram as provas documentais com concatenação e suficiência, possibilitando o reconhecimento do trabalho rural por período bastante ao preenchimento da carência de 180 meses, inclusive no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, considerando ainda que o INSS reconheceu a qualidade de segurado especial do autor no período de 21/10/2010 a 30/04/2019.
IV. Dispositivo
5. Remessa necessária não conhecida. Apelação não provida. Corrigido, de ofício, o capítulo da sentença referente aos consectários legais.
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Dispositivos relevantes citados: Lei nº 8.213/1991, art. 48, § 1º; Lei nº 9.494/1997, art. 1º-F; e CPC, art. 85, § 11.
Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no AREsp 1.939.810/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, j. 11.4.2022; TRF-3, 7ª Turma, ApCiv. 5140577-93.2020.4.03.9999, Rel. Des. Fed. Inês Virgínia, j. 1º.7.2020; e STJ, Súmula 111.
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A C Ó R D Ã O
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Turma Regional de Mato Grosso do Sul, por unanimidade, não conheceu da remessa necessária, negou provimento à apelação e corrigiu, de ofício, o capítulo da sentença referente aos consectários legais, nos termos do voto do Juiz Federal Convocado BRUNO TEIXEIRA (Relator).
Votaram o Juiz Federal Convocado NEY DE ANDRADE e o Desembargador Federal JEAN MARCOS.
, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
BRUNO CEZAR DA CUNHA TEIXEIRA Relator
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