Cuida-se de autos devolvidos pela Vice-Presidência desta Corte, nos termos do artigo 1.040, inciso II, do Código de Processo Civil, para eventual juízo de retratação em razão do entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema n.º 692 dos recursos repetitivos (REsp 1.401.560/MT e outros).
O decisum, ora submetido ao juízo de retratação, no que interessa, neste momento processual, afastou a aplicação do art. 115, II, da Lei nº 8.213/91 aos valores recebidos em virtude de tutela antecipada posteriormente revogada, reconhecendo a irrepetibilidade das parcelas à vista da boa-fé do segurado e da natureza alimentar do benefício, reafirmando-se o não falar em restituição na espécie, sob pena de afronta à segurança jurídica e ao princípio da confiança legítima (ID 301687351).
Remetidos os autos a esta relatoria, para verificação da pertinência de se proceder a juízo positivo de retratação na espécie, em razão à divergência de entendimento assentado no julgamento constante da Pet 12.482/DF, de relatoria do Ministro Og Fernandes, STJ - Primeira Seção, julgado em 11/05/2022, DJe 24/05/2022 (ID 263622843), este Colegiado, em 24/09/2024, deu a lume ementa do teor seguinte (ID 304687804):
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. PARCELAS PAGAS. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA REVOGADA. TEMA 692/STJ. APLICAÇÃO. TÉCNICA DA DISTINÇÃO. ACÓRDÃO MANTIDO. RETRATAÇÃO NEGATIVA.
1. O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.401.560/MT (Tema 692), pela sistemática dos recursos repetitivos, cujo v. acórdão foi publicado no DJe de 13/10/2015, firmou a seguinte tese jurídica: "A reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos", a reafirmando, com acréscimo de fundamentação, em 11/05/2022, por decisão ainda não transitada em julgado.
2. O Supremo Tribunal Federal, ao debruçar-se sobre o tema em oportunidades posteriores ao não reconhecimento da repercussão geral do tema 799 e também da reafirmação da tese do tema 692 do STJ, manifesta o caráter alimentar das verbas previdenciárias recebidas a título precário, concluindo pela sua irrepetibilidade, observada a boa-fé do segurado. Precedentes.
3. Pela análise cronológica, a decisão que revogou a liminar foi proferida à época em que ainda não havia sido julgada/reafirmada a tese do Tema 692/STJ, estando embasada em precedentes da Corte Superior e deste Tribunal Regional Federal, além de influenciada por sucessivos pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal no sentido da não devolução dos valores recebidos.
4. Torna-se pertinente, neste caso, a aplicação da técnica da distinção (distinguishing) com o objetivo de preservar o entendimento consentâneo ao momento jurisprudencial no qual foi prolatada a decisão, em homenagem à certeza do direito.
5. Juízo de retratação negativo.
Novamente, em razão de recurso especial interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, determinou-se a devolução dos autos à Turma Julgadora, para eventual retratação relacionada à devolução de valores de benefícios previdenciários recebidos em razão de tutela antecipada posteriormente revogada, dada a circunstância de, por ocasião da revisão do Tema 692, Pet n. 12.482/DF, pelo colendo Superior Tribunal de Justiça, reafirmou-se sua jurisprudência consoante acórdão transitado em julgado em data de 10.12.2024 (ID 311853270).
Diante da fundamentação já adotada por esta Turma julgadora quanto ao tema em questão, não vislumbro razão para modificá-lo.
De início, cumpre salientar que, no deslinde da controvérsia, a interpretação da legislação deve observar os princípios gerais do direito, expressamente previstos no artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei n.º 4.657/1942), que dispõe: "Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito". Tais princípios, além de integrarem o sistema jurídico, atuam como diretrizes de interpretação, impondo ao julgador a busca de soluções harmônicas e conformes à justiça material.
Nesse contexto, embora o artigo 115, inciso II, da Lei n.º 8.213/1991, com a redação dada pela Lei n.º 13.846/2019, possibilite o desconto de valores pagos indevidamente a título de benefício previdenciário ou assistencial, inclusive na hipótese de cessação do benefício em virtude de revogação de decisão judicial, limitado a 30% (trinta por cento) do valor mensal, tal previsão normativa não alcança integralmente particularidades do caso concreto. Compete, portanto, ao Poder Judiciário interpretar sua incidência, à luz das diretrizes do já mencionado artigo 4º da LINDB, de modo a adequar a norma à realidade fática e aos valores constitucionais subjacentes.
A par disso, impõe-se recordar o comando do artigo 6º da LINDB, segundo o qual "a lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada". Nessa linha, a aplicação retroativa de entendimento jurisprudencial que determinasse a devolução de valores de natureza alimentar importaria evidente violação a essas garantias, além de afrontar o princípio da segurança jurídica, expressamente ressalvado pelo Supremo Tribunal Federal quando da modulação dos efeitos no julgamento do RE 638.115 (Tema 395 de Repercussão Geral).
De igual modo, invoca-se o clássico brocardo jurídico da mihi factum, dabo tibi ius, expressão da lógica processual segundo a qual cabe às partes a exposição dos fatos, incumbindo ao julgador proceder à adequada subsunção normativa. No caso em exame, os fatos comprovados nos autos conduzem, de forma inequívoca, ao reconhecimento de que devem prevalecer a proteção da confiança legítima e a segurança jurídica, afastando-se a imposição de efeitos desproporcionais aos segurados que receberam valores de boa-fé e sob chancela do próprio Poder Judiciário.
Postas as balizas, passa-se ao exame do feito em juízo de retratação, nos termos do artigo 1.040, inciso II, do CPC/2015.
O Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o Tema n.º 692 dos recursos repetitivos (REsp 1.401.560/MT, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Corte Especial, julgado em 12/02/2014, DJe 19/03/2014), firmou a seguinte tese:
"A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela obriga o autor da ação a devolver os valores recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em benefício previdenciário, limitado a 30% de cada parcela."
A orientação firmada pelo STJ traduz a lógica da execução provisória: os efeitos de decisão judicial precária, posteriormente reformada, não se consolidam, impondo ao beneficiário a restituição dos valores percebidos.
No entanto, a aplicação da tese exige a devida ponderação com as circunstâncias concretas do processo. No caso dos autos, a tutela antecipada foi deferida em contexto de manifesta instabilidade jurisprudencial, com entendimentos oscilando entre o STF e o STJ. Ademais, os valores percebidos pela parte autora possuem natureza alimentar, correspondendo a benefício mínimo - sua única fonte de subsistência.
Nessas condições, a devolução dos valores, ainda que de forma parcelada, acarretaria violação a princípios constitucionais basilares, como a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), a boa-fé objetiva e a segurança jurídica, devendo ser afastada a aplicação automática do Tema 692.
Reconhecendo essa singularidade, o juízo de origem aplicou com acerto a técnica do distinguishing, afastando a incidência automática da tese repetitiva e preservando os princípios da boa-fé, da segurança jurídica e da dignidade da pessoa humana.
É certo que o Tema 692, conforme já mencionado, reflete a lógica da execução provisória, segundo a qual o exequente assume os riscos decorrentes da reversão da tutela. Todavia, essa regra não pode ser aplicada de modo cego e descontextualizado, especialmente quando se está diante de valores de inequívoca natureza alimentar recebidos de boa-fé.
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal tem reiteradamente reconhecido que a restituição de valores previdenciários percebidos de boa-fé compromete a dignidade da pessoa humana. No ARE 734.242 AgR, de relatoria do Ministro Roberto Barroso, ficou assentado que a exigência de devolução afronta a boa-fé objetiva e a função social da verba alimentar, fundamentos que igualmente conduzem, no presente caso, à solução adotada.
Precedentes do STF reforçam esse entendimento, como o AI 841.473-RG, ARE 638.548-AgR, AI 820.685-AgR, ARE 701.883-AgR e ARE 734.199-AgR, nos quais se reconheceu que a impossibilidade de devolução não implica declaração de inconstitucionalidade do art. 115 da Lei n.º 8.213/1991, mas sim interpretação conforme os princípios constitucionais.
A natureza da tutela antecipada, por definição, está fundada em juízo de probabilidade e urgência. Os valores recebidos sob sua vigência, via de regra, são destinados à subsistência do beneficiário. Assim, a simples revogação posterior da medida não pode justificar, por si só, a devolução automática desses valores, sob pena de afronta à boa-fé objetiva, à confiança legítima e à vedação ao enriquecimento sem causa por parte da Administração.
Ademais, o artigo 115, caput, da Lei n.º 8.213/91 dispõe que "podem ser descontados dos benefícios" os valores pagos indevidamente pela Previdência Social, em razão de decisão judicial posteriormente revogada ou modificada. O ponto central da interpretação está no verbo "pode", que confere à Administração e ao próprio Poder Judiciário uma faculdade, e não uma imposição absoluta, quanto à restituição de valores.
O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema 692, firmou a tese de que é obrigatória a devolução de valores recebidos por força de tutela antecipada posteriormente revogada, ainda que percebidos de boa-fé, admitindo apenas a exceção prevista no art. 927, §3º, do CPC, quando houver alteração jurisprudencial superveniente acompanhada de modulação. Essa orientação, entretanto, parte de uma leitura estrita da proteção ao erário, relegando a segundo plano tanto o caráter alimentar dos benefícios previdenciários como a literalidade do art. 115, II, da Lei de Benefícios.
Com efeito, ao empregar a expressão "podem ser descontados", o legislador não utilizou linguagem impositiva, como faria se tivesse a intenção de tornar obrigatória a restituição. A norma prevê, assim, uma margem de discricionariedade - que deve ser exercida conforme os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e proteção da confiança. Nessa linha, a devolução de valores deve ser avaliada caso a caso, especialmente quando demonstrada a boa-fé do segurado, sob pena de violação ao princípio da segurança jurídica e de imposição de sacrifício desproporcional ao beneficiário.
Portanto, o art. 115, II, da Lei 8.213/91 permite relativizar a rigidez do Tema 692 do STJ. A devolução não se revela um dever jurídico inescapável, mas sim uma faculdade condicionada a juízo de conveniência e justiça, a ser ponderado diante da natureza alimentar do benefício e das circunstâncias do caso concreto. A interpretação sistemática, em harmonia com a LINDB (art. 20) e os valores constitucionais de dignidade da pessoa humana e proteção social, reforça a ideia de que a restituição deve ser exceção, e não regra, sempre que comprometer a subsistência mínima do segurado.
A aplicação do Tema 692 do STJ exige ponderação e razoabilidade. É imprescindível considerar se o segurado contribuiu para o erro judicial ou se agiu com má-fé - o que, no caso concreto, não se verifica. A jurisprudência não deve ser aplicada de forma mecânica, ignorando os princípios constitucionais que regem o processo e a relação entre o Estado e o cidadão.
A concessão de tutela judicial, ainda que provisória, gera legítima expectativa no jurisdicionado quanto à validade da decisão. Exigir a devolução de valores recebidos por ordem judicial, anos após sua concessão, representa violação à confiança legítima assegurada pelo artigo 5º, caput, da Constituição Federal. O Supremo Tribunal Federal já se manifestou nesse sentido, como no MS 25.921 AgR, de relatoria do Ministro Luiz Fux, julgado em 02/08/2016, ao afastar a restituição por reconhecer a boa-fé do beneficiário e a natureza alimentar da verba.
Destaco, nesse sentido, acórdão extraído do julgamento do Ag.Reg. em Mandado de Segurança n. 25.921/DF, de relatoria do Ministro Luiz Fux, em 01/12/2015, em que se afastou a devolução de valores recebidos de boa-fé, mesmo diante da posterior revogação da decisão que autorizava o pagamento:
"AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. ACÓRDÃO DO TCU QUE DETERMINOU A IMEDIATA INTERRUPÇÃO DO PAGAMENTO DA URP DE FEVEREIRO DE 1989 (26,05%). EXCLUSÃO DE VANTAGEM ECONÔMICA RECONHECIDA POR DECISÃO JUDICIAL COM TRÂNSITO EM JULGADO. NATUREZA ALIMENTAR E A PERCEPÇÃO DE BOA-FÉ AFASTAM A RESTITUIÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS ATÉ A REVOGAÇÃO DA LIMINAR. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
(...)
2. A boa-fé na percepção de valores indevidos bem como a natureza alimentar dos mesmos afastam o dever de sua restituição.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
Tal decisão reforça o entendimento de que a revogação de decisão judicial não implica, automaticamente, a obrigação de devolução dos valores recebidos, sobretudo quando ausente má-fé e quando os pagamentos foram realizados com respaldo judicial. A presunção de legitimidade da decisão judicial, ainda que precária, gera expectativa legítima no beneficiário, que não pode ser penalizado por confiar na autoridade do Estado-juiz.
Esse posicionamento, aliado à modulação de efeitos adotada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da incorporação dos "quintos" (Tema 395 da Repercussão Geral), reforça a importância de se interpretar o Tema 692 do STJ com ponderação e atenção às especificidades de cada caso concreto. A decisão do STF, ao modular os efeitos para preservar situações consolidadas e proteger servidores que recebiam os valores de boa-fé, evidencia que a aplicação de precedentes deve considerar não apenas a literalidade da tese firmada, mas também os aspectos fáticos e jurídicos que envolvem cada situação.
Além disso, impor a devolução de valores previdenciários percebidos de boa-fé, especialmente quando se trata de benefício de valor mínimo, representa violação direta ao princípio da vedação ao confisco, previsto no artigo 150, IV, da Constituição Federal. Tal medida também afronta a garantia do salário mínimo como piso vital (art. 7º, IV) e os princípios da seguridade social (art. 194, parágrafo único, IV), que visam assegurar proteção básica ao cidadão em situação de vulnerabilidade.
A exigência de devolução, nesses moldes, não apenas compromete a subsistência do segurado, como também desvirtua a função social da previdência, transformando o benefício em instrumento de punição, em vez de amparo. Por isso, é imprescindível que a aplicação do Tema 692 seja precedida de análise criteriosa, respeitando os princípios constitucionais que regem o Estado de Direito.
Esse raciocínio já foi reconhecido por este TRF3, em precedente que afastou a repetição de valores: AI 5021024-47.2018.4.03.0000, 10ª Turma, Rel. Des. Fed. Maria Lucia Lencastre Ursaia, j. 26/02/2019, em que se decidiu pelo descabimento da devolução, invocando a boa-fé do beneficiário e a natureza alimentar do benefício conforme se verifica da transcrição que faço a seguir:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS. TUTELA ANTECIPADA POSTERIORMENTE REVOGADA. IMPOSSIBILIDADE NA ESPÉCIE. BOA-FÉ. CARÁTER ALIMENTAR. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. AGRAVO DE INSTRUMENTO IMPROVIDO.
1. Recurso conhecido, nos termos do parágrafo único, do artigo 1.015, do CPC.
2. Não se desconhece que a matéria objeto do presente recurso foi decidida pelo Eg. STJ, em sede de recurso repetitivo, REsp 1401560 / MT, no sentido de que a reforma da decisão que antecipa a tutela obriga a parte autora a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos.
3. O C. Supremo Tribunal Federal, em decisões posteriores, decidiu no sentido de ser desnecessária a restituição dos valores recebidos de boa-fé, mediante decisão judicial, devido ao seu caráter alimentar, em razão do princípio da irrepetibilidade dos alimentos.
4. Não se mostra razoável impor a agravada a obrigação de devolver a verba que recebeu de boa-fé, em virtude de ordem judicial com força provisória. Assim, ante a natureza alimentar do benefício concedido, pressupõe-se que os valores correspondentes foram por ela utilizados para a manutenção da própria subsistência e de sua família.
5. Agravo de instrumento improvido.
(TRF3 - Agravo de Instrumento 5021024-47.2018.4.03.0000 - 10ª Turma, vu, Provimento Negado, j. 26/02/2019).
Entendimento igualmente adotado pela 9ª Turma desta Corte Regional:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. RESTABELECIMENTO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. MISERABILIDADE. RENDA INCOMPATÍVEL. DEVOLUÇÃO DE VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. AUSENCIA DE ATO FRAUDULENTO. BOA-FÉ OBJETIVA CONSTATADA. TEMA 979 STJ. RECURSO DO INSS DESPROVIDO.
I. Caso em exame
1. Trata-se de apelação do INSS contra sentença que, a despeito de negar o pedido de restabelecimento do benefício assistencial, julgou procedente o pedido de declaração da inexigibilidade do débito da cobrança de valores referentes ao pagamento do LOAS no período de 12/3/2016 a 25/6/2021.
II. Questão em discussão
2. A controvérsia recursal cinge-se à possibilidade de cobrança dos valores auferidos pela Autora, a título de benefício assistencial, no período considerado indevido.
III. Razões de decidir
3. Ante a evidente a falha do INSS em seu dever legal de monitorar os benefícios, especialmente quando todas as informações estão inseridas em seus sistemas informatizados, a devolução é indevida. Ademais, efetivamente, não há nenhum indício de que a parte autora tenha praticado qualquer ato fraudulento em detrimento do INSS, razão pela qual não há como se imputar conduta ilícita ou má-fé na percepção do benefício.
4. Aplicação do Tema 979 do Superior Tribunal de Justiça.
IV. Dispositivo e tese
5. Apelação do INSS não provida.
Tese de Julgamento: "Sendo comprovada a boa-fé objetiva do titular do benefício assistencial pago indevidamente, com A demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido, o débito apurado torna-se inexigível, porquanto irrepetíveis, como ressalvado no Tema 979 do Superior Tribunal de Justiça".
(TRF3 - Apelação Cível 5005768-79.2023.4.03.6114 - 9ª Turma, Rel. para o acórdão Des. Fed. Gilberto Jordan, vu, Provimento Negado, j. 26/08/2025).
Repiso. Não se ignora que o Superior Tribunal de Justiça, ao firmar o Tema 692, o fez no âmbito da interpretação da legislação infraconstitucional, especialmente do regime de execução provisória previsto no Código de Processo Civil e na Lei 8.213/1991. No entanto, a aplicação automática dessa tese, sem a devida ponderação, pode gerar impactos diretos sobre direitos fundamentais, cuja guarda é atribuída ao Supremo Tribunal Federal, nos termos do artigo 102 da Constituição Federal.
Embora o STF tenha reconhecido, no julgamento do ARE 722421 RG (Tema 799 da Repercussão Geral), que a questão da devolução de valores previdenciários possui natureza infraconstitucional, isso não significa que sua análise esteja dissociada da eficácia imediata das normas constitucionais que asseguram o mínimo existencial. A proteção ao valor social do benefício previdenciário, à dignidade da pessoa humana e à vedação ao confisco (arts. 1º, III; 6º; 7º, IV; 194, parágrafo único, IV, da CF/88) impõe que qualquer interpretação infraconstitucional seja compatível com esses princípios.
Conservando esse mesmo entendimento:
"DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO RECEBIDO POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL. DEVOLUÇÃO. ART. 115 DA LEI 8.213/91. IMPOSSIBILIDADE. BOA-FÉ E CARÁTER ALIMENTAR. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO ART. 97 DA CF. RESERVA DE PLENÁRIO: INOCORRÊNCIA. ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO EM 22.9.2008.
1. A jurisprudência desta firmou-se no sentido de que o benefício previdenciário recebido de boa-fé pelo segurado em virtude de decisão judicial não está sujeito à repetição de indébito, dado o seu caráter alimentar.
2. Na hipótese, não importa declaração de inconstitucionalidade do art. 115 da Lei 8.213/91, o reconhecimento, pelo Tribunal de origem, da impossibilidade de desconto dos valores indevidamente percebidos.
3. Agravo regimental conhecido e não provido"
(ARE n. 734.199-AgR, Relatora a Ministra Rosa Weber, Primeira Turma, DJe 23.9.2014).
Assim, a devolução de valores recebidos de boa-fé, especialmente quando de natureza alimentar, não pode ser exigida de forma automática, sob pena de violação à ordem constitucional. A jurisprudência deve ser aplicada com sensibilidade ao caso concreto, respeitando os limites impostos pela própria Constituição.
Aliás, outro não é o entendimento de julgados oriundos do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
(...)
A controvérsia diz respeito à devolução dos valores pagos durante a ação por força de tutela específica concedida em grau recursal posteriormente revogada.
Importa avaliar se a discussão insere-se no âmbito do Tema 692/STJ.
A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, em Proposta de Revisão de Entendimento firmado no julgamento do Tema 692 (EDs na Pet 12482/DF), reafirmou a obrigatoriedade de restituição, pelo segurado do INSS, de parcelas pagas por força de tutela antecipada que venha a ser revogada, agregando preceitos à tese anteriormente firmada (acórdão publicado em 11/10/2024):
Tema STJ 692 - A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago, restituindo-se as partes ao estado anterior e liquidando-se eventuais prejuízos nos mesmos autos, na forma do art. 520, II, do CPC/2015 (art. 475-O, II, do CPC/73).
Quando da afetação da matéria submetida ao rito dos recursos repetitivos, foram listadas as seguintes situações de tutela de urgência que estariam, dentre outras, sob análise do Superior Tribunal de Justiça:
a) tutela de urgência concedida de ofício e não recorrida;
b) tutela de urgência concedida a pedido e não recorrida;
c) tutela de urgência concedida na sentença e não recorrida, seja por agravo de instrumento, na sistemática processual anterior do CPC/1973, seja por pedido de suspensão, conforme o CPC/2015;
d) tutela de urgência concedida initio litis e não recorrida;
e) tutela de urgência concedida initio litis, cujo recurso não foi provido pela segunda instância;
f) tutela de urgência concedida em agravo de instrumento pela segunda instância;
g) tutela de urgência concedida em primeiro e segundo graus, cuja revogação se dá em razão de mudança superveniente da jurisprudência então existente;
h) tutela de urgência concedida e cassada, a seguir, seja em juízo de reconsideração pelo próprio juízo de primeiro grau, ou pela segunda instância em agravo de instrumento ou mediante pedido de suspensão;
i) tutela de urgência cassada, mesmo nas situações retratadas anteriormente, mas com fundamento expresso na decisão de que houve má-fé da parte ou afronta clara a texto de lei, como no caso das vedações expressas de concessão de medida liminar ou tutela antecipada.
Registre-se que, não obstante a reafirmação da tese que determina, em regra, a devolução dos valores, foi excepcionada a hipótese "g" acima, conforme o item 19 da ementa Pet 12482/DF:
19. Situação diversa é a da tutela de urgência cuja revogação se dá em razão de mudança superveniente da jurisprudência então dominante.
Nesses casos, a superação do precedente deverá ser acompanhada da indispensável modulação dos efeitos, a juízo do Tribunal que está promovendo a alteração jurisprudencial, como determina o art. 927, § 3º, do CPC. Assim, como diz a norma, o próprio juízo de superação "de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos" deve ser acompanhado da modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica. Dessa forma, uma eventual guinada jurisprudencial não resultará, em princípio, na devolução de valores recebidos por longo prazo devido à cassação de tutela de urgência concedida com base em jurisprudência dominante à época em que deferida, bastando que o tribunal, ao realizar a superação, determine a modulação dos efeitos.
Assim, ficou claro que a decisão aplica-se a diversas situações de tutela de urgência, inclusive quando deferida em segundo grau. No entanto, não se observa em nenhum dos itens descritos a hipótese de tutela determinada após o julgamento de mérito em segundo grau, na pendência de julgamento de recurso aos tribunais superiores sem efeito suspensivo. Esta é a hipótese dos autos.
A decisão em grau de apelação que determina a implantação do benefício não é antecipatória da tutela nem resulta de mera verossimilhança. O seu cumprimento imediato decorre da existência de cognição exauriente, a encerrar a fase ordinária do processo, a partir do que os recursos não mais têm efeito suspensivo.
A situação não se confunde, portanto, com as de tutela de urgência. O grau de evidência do direito que surgiu com o primeiro julgamento em segundo grau conferiu maior segurança à parte autora quanto ao direito reclamado, a reforçar a boa-fé no recebimento dos valores.
Assim, distinguindo-se o caso dos autos da matéria afetada pelo STJ no julgamento do Tema 692, não é caso de alteração do julgado originário.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por, em juízo de retratação, manter o julgamento originário.
(TRF4 - AI 5034476-97.2018.4.04.0000/RS - 6ª Turma - Rel. Des. Federal Tais Schilling Ferraz , vu, Manteve o julgamento originário, j. 27/11/2024).
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. REQUISITOS. PERSISTÊNCIA DA INCAPACIDADE NÃO COMPROVADA. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS EM TUTELA ANTECIPADA POSTERIORMENTE REVOGADA. RECURSO REPETITIVO. TEMA 692 DO STJ. REAFIRMAÇÃO DA TESE. INVERSÃO DA SUCUMBÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. São três os requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade: a) a qualidade de segurado; b) o cumprimento do período de carência de 12 contribuições mensais; c) a incapacidade para o trabalho, de caráter permanente (aposentadoria por invalidez) ou temporária (auxílio-doença).
2. A perícia judicial é inconclusiva. O perito apenas repetiu o teor de atestado médico, sem realizar o exame físico para averiguar se, de fato, há indícios da presença de quadro álgico ou de alguma deformidade ou limitação de força e amplitude de movimentos do membro fraturado. Ademais, não soube responder com assertividade vários quesitos, afirmando a necessidade de consulta a especialista em ortopedia, o que fragiliza a prova, por ser inconclusiva.indicou a ausência de incapacidade laborativa.
3. O laudo pericial elaborado por cirurgião geral, além de referir os documentos médicos complementares analisados, detalhou o exame físico e sequer constatou a existência de sequelas da fratura do pé direito. Não há elementos nos autos aptos a afastar as conclusões do perito. A aposentadoria por invalidez não pode ser concedida apenas com fundamento nas condições pessoais desfavoráveis do segurado.
4. Sentença reformada, a fim de julgar improcedente o pedido de concessão de benefício por incapacidade e e revogar a tutela antecipada concedida.
5. O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar, na sessão de 11/05/2022, a Pet. 12482/DF, reafirmou a tese jurídica quanto ao Tema n.º 692, fixando a seguinte tese: A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago.
6. O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar, na sessão de 11/05/2022, a Pet. 12482/DF, reafirmou a tese jurídica quanto ao Tema n.º 692, fixando a seguinte tese: A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago.
7. Aplicando-se a tese ao caso concreto, fica estabelecida a obrigação de devolução dos valores recebidos em antecipação de tutela que restou revogada, cuja cobrança pode ser efetuada nos próprios autos, em observância ainda aos princípios da economia e da celeridade processual, mediante desconto no benefício eventualmente ativo, em valor que não exceda 30% da sua importância, Contudo, em caso de o segurado estar recebendo benefício por salário mínimo, é hipótese de reduzir o percentual a ser descontado para 5%, a fim de garantir valor adequado para sua subsistência.
8. Invertida a sucumbência, resta condenada a parte autora ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da causa atualizado, suspensa a exigibilidade das verbas, em razão da gratuidade da justiça.
(TRF4 - AC 5000132-22.2025.4.04.9999 - 10ª Turma - Rel. Des. Fed. Claudia Cristina Cristofani, vu, Provimento, j. 05/08/2025).
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS EM ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REFORMA DO ACÓRDÃO PARA ADEQUAÇÃO À TESE DO STJ. PRESERVAÇÃO DO MÍNIMO EXISTENCIAL. PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO.
I. CASO EM EXAME:
1. Apelação interposta pelo INSS contra decisão que negou a devolução dos valores pagos a título de antecipação de tutela revogada em ação previdenciária de auxílio-doença, com acolhimento parcial de embargos declaratórios pela Turma.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO:
2. A questão em discussão consiste em saber se, diante da revogação da tutela antecipada que concedeu benefício previdenciário ou assistencial, é cabível a devolução dos valores recebidos, considerando a boa-fé do beneficiário e o caráter alimentar das verbas, em confronto com a tese firmada pelo STJ no Tema 692, que impõe a devolução mediante desconto limitado a 30% do benefício eventualmente pago.
III. RAZÕES DE DECIDIR:
3. A decisão recorrida fundamentou-se na presunção de legitimidade do pagamento decorrente de decisão judicial motivada e na proteção da boa-fé do beneficiário, ressaltando o caráter alimentar dos valores percebidos e a inviabilidade da devolução para não inviabilizar o instituto da antecipação de tutela no âmbito previdenciário, com amparo nos arts. 273 e 475-O do CPC, art. 5º da LINDB e jurisprudência consolidada do TRF4.
4. Contudo, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema 692, fixou a tese segundo a qual a reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores recebidos, podendo a devolução ser realizada por meio de desconto limitado a 30% do benefício eventualmente pago, o que impõe a adequação do acórdão recorrido a essa orientação.
5. Em juízo de retratação, acolheram-se os embargos declaratórios para reformar integralmente o acórdão, dando parcial provimento à apelação do INSS, mantendo-se o restante do julgado que não foi objeto de retratação, em consonância com o sistema processual vigente e sem alteração da sucumbência fixada. IV. DISPOSITIVO E TESE:
6. Provimento parcial da apelação do INSS para reformar o acórdão e determinar a devolução dos valores recebidos a título de antecipação de tutela revogada, observando-se o limite de desconto de 30% do benefício eventualmente pago, e o mínimo existencial.
Tese de julgamento:
1. A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago, nem reduza o valor do benefício a valor inferior ao salário mínimo.
Dispositivos relevantes citados: CPC, arts. 273, 475-O; Lei n.º 8.213/1991, art. 115; Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), art. 5º.Jurisprudência relevante citada: TRF4, APELREEX 5094295-44.2014.404.7214, Rel. Rogerio Favreto, Quinta Turma, j. 05/08/2015; TRF4, AC 5007028-16.2014.404.7009, Rel. Ricardo Teixeira do Valle Pereira, Quinta Turma, j. 29/05/2015; TRF4, AG 5006729-80.2015.404.0000, Rel. Taís Schilling Ferraz, Quinta Turma, j. 19/06/2015; TRF4, AG 0000322-46.2015.404.0000, Rel. Luiz Carlos de Castro Lugon, Quinta Turma, j. 13/05/2015.
(TRF4 - AG 5011913-02.2024.4.04.0000 - 5ª Turma - Rel. Des. Fed. Hermes Sielder da Conceição Junior, vu, Negar Provimento, j. 17/06//2025).
Nesse contexto, a despeito de o TRF4 haver feito distinção entre a tutela antecipatória concedida lastreada em critérios de verossimilhança com aquela derivada do julgamento da ação previdenciária, ainda que não acobertada pelo manto da coisa julgada material, a conclusão do julgado fundamentou-se na boa-fé do segurado e no caráter alimentar do benefício, citando precedentes do STF que vedam a repetição nessas hipóteses e afastam a necessidade de reserva de plenário para não aplicar o art. 115 da Lei 8.213/91 ao caso concreto. Destacou a urgência (benefício reduzido a R$ 313,03) e que eventual devolução pode ser buscada por meios próprios caso venha a ser devida ao final.
Dessa análise, é possível concluir que a devolução de valores recebidos por força de decisão judicial, ainda que precária, não pode ser exigida de forma automática, especialmente quando ausente má-fé por parte do segurado. A percepção dos valores se deu com respaldo judicial, e sua utilização, via de regra, destinou-se à subsistência.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a necessidade de proteção à boa-fé e à segurança jurídica, inclusive em casos de pagamento de verbas posteriormente declaradas inconstitucionais, como no julgamento dos 'quintos' incorporados por servidores públicos.
O caso concreto permite a aplicação da técnica do distinguishing, pois difere substancialmente da hipótese paradigmática do Tema 692. A tutela antecipada foi concedida com base em jurisprudência dominante à época, não foi objeto de recurso pela parte contrária, e sua revogação decorreu de mudança jurisprudencial superveniente.
Nos termos do art. 927, §3º, do Código de Processo Civil, a superação de jurisprudência dominante deve ser acompanhada da modulação dos efeitos, justamente para preservar o interesse social e a segurança jurídica. Essa diretriz se mostra especialmente relevante em matéria previdenciária, em que decisões judiciais impactam diretamente a subsistência de pessoas em situação de vulnerabilidade.
Embora o Superior Tribunal de Justiça afirme que os precedentes do Supremo Tribunal Federal não tratam diretamente de matéria previdenciária, há decisões da Corte Constitucional que afastam a devolução de valores recebidos de boa-fé, inclusive em ações originárias. A jurisprudência do STF tem reconhecido que a reversibilidade da tutela não é absoluta, sobretudo quando há relevante impacto social, o que reforça a necessidade de ponderação na aplicação automática de teses vinculantes.
A aplicação do Tema 692 do STJ, ainda que preveja limite de 30% para desconto, não leva em conta a realidade econômica dos beneficiários, muitos dos quais recebem valores mínimos e já possuem compromissos financeiros, como empréstimos consignados. A imposição da devolução, nessas circunstâncias, pode comprometer a dignidade da pessoa humana e a função social da previdência, princípios constitucionais que devem orientar a atuação jurisdicional.
Ademais, a alteração promovida pela Lei nº 13.846/2019, ao conferir nova redação ao art. 115, II, da Lei nº 8.213/91, trouxe uma mudança significativa no regime jurídico aplicável à devolução de valores recebidos indevidamente por beneficiários da Previdência Social. Embora o Superior Tribunal de Justiça, ao firmar o entendimento no Tema 692, tenha concluído pela inaplicabilidade da modulação de efeitos em razão da ausência de alteração jurisprudencial, é essencial que os tribunais inferiores - responsáveis pela análise da matéria fática - interpretem essa tese com a devida ponderação, especialmente à luz da nova legislação.
Nesse cenário, a Súmula 7 do STJ, que veda o reexame de provas em sede de recurso especial, reforça o papel dos juízos de origem na apreciação das circunstâncias concretas. A evolução normativa exige atenção às especificidades de cada caso, sobretudo quando se trata de segurados que deixaram de ser beneficiados por tutela antecipada. A própria norma confere ao magistrado a faculdade de determinar, conforme o contexto, a devolução ou o desconto dos valores percebidos, o que recomenda uma aplicação equilibrada da jurisprudência, em consonância com os princípios da segurança jurídica, da boa-fé e da proporcionalidade.
Ao proferir decisão no sentido de afastar, no caso concreto, a aplicação imediata da tese firmada no Tema 692 do STJ, igualmente o faço em respeito ao entendimento reiterado do colegiado, notadamente da 10ª Turma deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que tem se posicionado de forma consistente pela não devolução dos valores recebidos de boa-fé por força de decisão judicial provisória posteriormente revogada.
Nos tribunais, deve prevalecer o entendimento firmado pelo colegiado, em respeito ao princípio da colegialidade, que assegura a uniformidade, previsibilidade e segurança jurídica das decisões, em detrimento das posições isoladas de seus julgadores. Razão pela qual, nesse particular, reafirmo a posição desta Décima Turma, que, em julgados semelhantes, assim se manifestou:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. AUSÊNCIA DE IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO. REQUISITO NÃO PREENCHIDO. BENEFÍCIO INDEVIDO. TUTELA ANTECIPADA. REVOGAÇÃO. DESNECESSIDADE DE DEVOLUÇÃO DE VALORES. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
I. Caso em exame
1. Apelação interposta pelo INSS objetivando a reforma da sentença que concedeu o benefício assistencial à parte autora.
II. Questão em discussão
2. Há duas questões em discussão: (i) saber se restou comprovada a condição de deficiente da parte autora, necessária à concessão do benefício assistencial; e (ii) saber se é possível a devolução dos valores recebidos a título de benefício assistencial implantado por decisão judicial (tutela provisória) posteriormente revogada.
III. Razões de decidir
3. O benefício assistencial de prestação continuada destina-se à pessoa com deficiência ou ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família, conforme previsto na Constituição Federal e na Lei 8.742/1993.
4. Consoante perícia médica produzida é possível concluir que o estado clínico da parte autora não sugere a existência de qualquer impedimento de longo prazo, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, poderia obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, não devendo, portanto, ser considerado pessoa com deficiência para os efeitos legais.
5. Não satisfeitos todos os requisitos exigidos, não faz jus a parte autora ao benefício assistencial.
6. O Superior Tribunal de Justiça, em sede de Recurso Repetitivo de Controvérsia, entendeu que a reforma de decisão que antecipa a tutela obriga o autor a devolver os benefícios previdenciários recebidos por força dela.
7. Aplicação do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no sentido de que o benefício previdenciário recebido pelo segurado, em decorrência de decisão judicial, não está sujeito à repetição de indébito, em razão de seu caráter alimentar. Precedentes jurisprudenciais.
8. Honorários advocatícios pela parte autora, fixados em 10% sobre o valor da causa, observada a condição de beneficiário da assistência judiciária gratuita, se o caso (Lei 1.060/50 e Lei 13.105/15).
IV. Dispositivo
9. Apelação parcialmente provida.
(TRF3 - Apelação Cível 5002530-88.2023.4.03.6005 - 10ª Turma, Rel. Des. Fed. Nelson Porfírio, vu, Provimento Negado, j. 29/08/2025).
Dispositivos relevantes citados: CF, art. 201, I e §6º; CPC, art. 85, §4º, II e §11, art. 86 e art. 479; Lei n.º 8.213/1991, art. 40, arts. 42 a 47 e art. 124; Lei n° 8.742/1993, art. 20, §4º. CF/1988, art. 5º, LV; CC, arts. 186, 876, 884, 927; Lei 8.213/91, art. 115; Decreto 3.048/99, art. 154; Lei 8.742/93, arts. 21, 21-A.
Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmula 111 e Súmula 576; TRF3, 9ª Turma, AC n.º 2005.03.99.032325-7, Des. Fed. Rel. Santos Neves, DJU de 13.12.2007, p. 614; TRF3, 9ª Turma, AC n.º 1997.03.007667-0, Des. Fed. Rel. Marisa Santos, v.u., DJU de 04.09.2003, p. 327. STF, Súmulas n.ºs 346 e 473; STJ, REsp 1.381.734/RN (Tema 979); STJ, REsp 803.481/GO, Rel. Min. Nancy Andrighi.
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. TEMA 692/STJ. BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS E ASSISTENCIAIS. IMPLANTAÇÃO POR TUTELA PROVISÓRIA. POSTERIOR REVOGAÇÃO. DEVOLUÇÃO DOS VALORES. IMPOSSIBILIDADE. NATUREZA ALIMENTAR DO BENEFÍCIO. BOA-FÉ DO BENEFICÁRIO. PRINCÍPIO DA CONFIANÇA. JURISPRUDÊNCIA DO STF. JUÍZO DE RETRATAÇÃO NEGATIVO.
I. Caso em exame
1. Pretende o INSS a devolução de valores relativos a benefícios previdenciários/assistenciais, implantados por tutela provisória posteriormente revogada.
II. Questão em discussão
2. A questão em discussão consiste em saber se é possível a devolução de valores recebidos a título de benefícios previdenciários/assistenciais, dotados, portanto, de natureza alimentar, implantados por decisão judicial (tutela provisória) posteriormente revogada.
III. Razões de decidir
3.É conhecida posição do C. STJ no sentido de que a reforma de decisão que antecipa a tutela obriga o autor a devolver os benefícios previdenciários recebidos (Tema 692). Não obstante, verifico que a jurisprudência pacífica da Suprema Corte, quando da análise de matérias de sua competência, é no seguinte sentido: tratando-se de benefício alimentar, recebido de boa-fé pelo demandante, em virtude de tutela antecipada posteriormente revogada, não há que se falar em repetibilidade dos valores por ele recebidos.
4. Embora o C. STF, ao realizar juízo de admissibilidade do RE 722.421, identificado pelo tema 799, tenha afastado a repercussão geral da matéria decidida pelo C. STJ no tema 692, ainda se verifica, em julgamentos de sua competência originária, o entendimento adotado por este Décima Turma.
5. Enquanto mantida a posição do C. STF, entende-se que esta deva prevalecer, justamente por melhor proteger o caráter alimentar do benefício previdenciário/assistencial, o princípio da confiança e a boa-fé do segurado.
IV. Dispositivo
6. Juízo de retratação negativo. Acórdão mantido.
(TRF3 - Apelação Cível 0007571-27.2010.4.03.6119 - 10ª Turma, Rel. Des. Fed. Nelson Porfírio, vu, Provimento Negado, j. 26/08/2025).
Dispositivos relevantes citados: Lei n.º 14.717, art. 1º.
Jurisprudência relevante citada: STF, ARE 734242 AgR, Relator Ministro ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 04.08.2015, PJ-e, DJe-175 DIVULG 04-09-2015 PUBLIC 08-09-2015. STF, RE-ED - EMB.DECL. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO, DIAS TOFFOLI, Plenário, 06.02.2020. STF, ARE 1.484.756/SC, Rel. Ministro Gilmar Mendes, julgado em 16.04.2024. STF, RE 1.310.781/MA, relatora Ministra Cármen Lúcia, julgado em 22.11.2023, RE 1.534.635/SP, Rel. Ministro Edson Fachin, julgado em 19.02.2025.
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO. DEVOLUÇÃO DE VALORES. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA CONCEDIDA NO ANO DE 2009. BOA-FÉ. JURISPRUDÊNCIA NÃO SEDIMENTADA Á ÉPOCA. TESE DO TEMA 692 FIRMADA EM 2015. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. A parte autora recebeu valores de benefício previdenciário por força de antecipação de tutela concedida em momento muito anterior à tese firmada no tema 692/STJ, sendo que a tutela antecipada, posteriormente, não foi confirmada, haja vista a prolação de sentença de improcedência, mantida por decisão monocrática proferida em sede de recurso de apelação, transitada em julgado em 30/05/2014.
2. Pela análise cronológica, a decisão que concedeu a liminar e a posterior sentença de improcedência datam de época em que ainda não havia sido sequer julgada, tampouco reafirmada, a tese do Tema 692/STJ, estando embasada em precedentes da Corte Superior e deste Tribunal Regional Federal, além de influenciada por sucessivos pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal no sentido da não devolução dos valores dos benefícios.
3. Não é o caso de repetibilidade de prestações previdenciárias recebidas a título de tutela antecipada antes do julgamento do Tema 692 do STJ, devendo ser aplicado o entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal de observância aos princípios da confiança legítima e da boa-fé objetiva.
4. Agravo interno não provido.
(TRF3 - Apelação Cível 5001719-08.2017.4.03.6113 - 10ª Turma, Rel. Des. Fed. Marcos Moreira, vu, Agravo Interno não provido, j. 24/07/2025).
DIREITO PREVIDENCIÁRIO E ASSISTENCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. DESNECESSIDADE DE DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE TUTELA REVOGADA. TEMA STJ N. 692. SUBSISTÊNCIA DO INDIVÍDUO PREVISTA NO PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS. NORMA SUPRALEGAL.
1. Decisão dessa Corte que afastou a necessidade de restituição dos valores recebidos de boa-fé, em razão de decisão judicial provisória posteriormente revogada, que se deu à época em que havia reiterado desencontro jurisprudencial entre os colendos Tribunais Superiores.
2. Manutenção do acórdão que entendeu pela desnecessidade de devolução dos valores recebidos, a título de benefício assistencial, por força de tutela provisória posteriormente revogada, em razão da boa-fé do segurado e do caráter alimentar do benefício, conforme julgados do excelso Supremo Tribunal Federal.
3. Os Estados devem garantir meios de subsistência ao indivíduo, em consonância com o princípio da dignidade da pessoa humana, nos termos dos artigos 7º, 9º e 11 do "Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais", do qual o Brasil é signatário, promulgado por meio do Decreto n. 591, de 6 de julho de 1992. Conforme entendimento fixado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 95.967 e RE 466.343, trata-se de norma supralegal.
4. Agravo interno não provido.
(TRF3 - Apelação Cível 5001827-40.2022.4.03.6120 - 10ª Turma, Rel. Des. Fed. João Consolin, vu, Agravo Interno não provido, j. 08/07/2025).
DIREITO PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE TUTELA PROVISÓRIA POSTERIORMENTE REVOGADA. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DE UM SALÁRIO MÍNIMO. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
I. CASO EM EXAME
Agravo interno interposto pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS) contra decisão monocrática que negou provimento ao agravo de instrumento anteriormente interposto, mantendo decisão do Juízo da 1ª Vara da Comarca de Porto Ferreira, SP, que indeferiu a penhora do benefício previdenciário percebido pela segurada Roseli Augusta Ramazzini Cabrini. O benefício recebido corresponde a um salário mínimo, quantia considerada suficiente apenas para cobrir as necessidades vitais da segurada e de sua família. O INSS sustenta que há valores a serem restituídos, em razão do recebimento de benefício previdenciário por força de tutela provisória posteriormente revogada, e defende a possibilidade de desconto de até 30% do benefício ativo, com base no Tema 692 do STJ.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
Há duas questões em discussão:
(i) definir se é possível a devolução, mediante desconto em benefício previdenciário, dos valores recebidos pela segurada por força de tutela provisória posteriormente revogada;
(ii) estabelecer se a impossibilidade de desconto no benefício previdenciário no valor de um salário mínimo deve prevalecer, à luz do princípio da dignidade da pessoa humana e da hierarquia supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos.
III. RAZÕES DE DECIDIR
O cumprimento de sentença deve respeitar o princípio da fidelidade ao título executivo, sendo vedado inovar, modificar ou rediscutir o que foi decidido na fase de conhecimento, nos termos dos arts. 507 e 509, §4º, do CPC.
O acórdão que revogou a tutela provisória não determinou a devolução dos valores recebidos, tampouco previu qualquer forma de compensação ou desconto no benefício ativo da segurada.
A segurada atualmente recebe apenas benefício previdenciário de aposentadoria por idade no valor de um salário mínimo, não se tratando de benefício temporário, conforme alegado pelo INSS.
A jurisprudência da 10ª Turma do TRF da 3ª Região e do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que, diante do caráter alimentar do benefício e do princípio da dignidade da pessoa humana, não se exige a devolução dos valores recebidos de boa-fé por força de tutela revogada, principalmente quando se trata de montante indispensável à subsistência do segurado.
O recurso interposto não trouxe novos fundamentos aptos a modificar a decisão agravada, limitando-se a repetir argumentos já analisados e rejeitados.
IV. DISPOSITIVO E TESE
8. Agravo interno do INSS não provido.
Tese de julgamento:
O recebimento de benefício previdenciário por força de tutela provisória posteriormente revogada não impõe, de forma automática, a devolução dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, quando se trata de verba alimentar indispensável à sua subsistência.
A execução deve respeitar a literalidade do título executivo judicial, sendo vedado ao juízo inovar ou determinar medidas não previstas no comando sentencial ou acobertadas pela coisa julgada.
(TRF3 - AI 5001470-82.2025.4.03.0000 - 10ª Turma, Rel. Des. Fed. João Consolin, vu, agravo interno desprovido, j. 26/08/2025).
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. TUTELA ANTECIPADA POSTERIORMENTE REVOGADA. TEMA 692/STJ. RESTITUIÇÃO DOS VALORES. IMPOSSIBILIDADE. NATUREZA ALIMENTAR DO BENEFÍCIO. BOA FÉ DO BENEFICIÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO IMPROVIDO.
1. A controvérsia diz respeito a restituição de valores pagos a título de benefício previdenciário, por força de tutela antecipada posteriormente revogada;
2. A parte autora/executada, ora agravada, ajuizou ação de conhecimento, perante a Vara Única da Comarca de Iepê/SP, sob o n. 0000211-15.2011.8.26.0240, objetivando a concessão do benefício de auxílio por incapacidade temporária ou aposentadoria por incapacidade permanente, com pedido de tutela antecipada, o qual foi deferido para determinar, ao INSS, a implantação do benefício de auxílio por incapacidade temporária. Contudo, a sentença transitada em julgado, julgou improcedente o pedido;
3. Inicialmente, cumpre registrar que o Superior Tribunal de Justiça, em 11 de maio de 2022, concluiu a revisão do Tema 692 dos recursos especiais repetitivos, reafirmando tese no sentido de que "a reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago", conforme a nova redação do inciso II, do artigo 115, da Lei n.º 8.213/91, advinda da Lei n.º 13.846/19;
4. No entanto, a despeito do entendimento firmado pelo STJ, o Supremo Tribunal Federal tem adotado uma linha interpretativa distinta. Embora o STF, em 2015, no Tema 799, não tenha reconhecido repercussão geral à matéria por considerá-la infraconstitucional, em decisões mais recentes, a Suprema Corte tem firmado expressamente o entendimento pela irrepetibilidade dos valores recebidos de boa-fé, em razão de seu caráter alimentar;
5. A jurisprudência do STF é pacífica no sentido de que o benefício previdenciário recebido de boa-fé pelo segurado, em decorrência de decisão judicial, não está sujeito à repetição de indébito. Tal posicionamento é corroborado por precedentes como o ARE 734242 AgR, julgado em 04.08.2015, e os Embargos de Declaração no Recurso Extraordinário 661256, julgado em 06.02.2020, que enfatizam a natureza alimentar dos benefícios e a boa-fé do beneficiário;
6. De modo que não desconhece esta Relatora que a matéria em discussão teria sido uniformizada pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema 692, fixando a tese jurídica de que a reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela obriga a parte ora agravada a devolver os valores indevidamente recebidos a título de benefício previdenciário. Contudo, o entendimento firmado por esta Décima Turma, seguindo a atual jurisprudência do C. Supremo Tribunal Federal, é pela não devolução dos valores;
7. Ademais, em complemento ao entendimento exarado pelo Supremo Tribunal Federal, esta Décima Turma tem reconhecido que a questão relativa à irrepetibilidade dos valores recebidos de boa-fé a título de benefício previdenciário se relaciona diretamente ao princípio da dignidade da pessoa humana que, além de princípio e objetivo basilar do ordenamento jurídico brasileiro, também encontra respaldo em normativas internacionais das quais o Brasil é signatário;
8. Nesse contexto, destaca-se o "Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais", promulgado no Brasil por meio do Decreto n.º 591, de 6 de julho de 1992, e que, em seus artigos 7º, 9º e 11, reconhece o direito de toda pessoa a condições de trabalho justas e favoráveis, à previdência social e a um nível de vida adequado para si e sua família, incluindo alimentação, vestimenta e moradia. Tais disposições reforçam a natureza alimentar dos benefícios previdenciários e a necessidade de garantir a subsistência do indivíduo;
9. Conforme entendimento fixado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC 95.967 e RE 466.343, os tratados internacionais sobre direitos humanos, como o mencionado Pacto, possuem status normativo supralegal no ordenamento jurídico brasileiro, tornando inaplicável a legislação infraconstitucional com eles conflitante;
10. O caso em tela revela um aparente conflito de normas entre o princípio da dignidade da pessoa humana e as normas supralegais do "Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais", que sustentam a irrepetibilidade dos valores recebidos de boa-fé, em razão de seu caráter alimentar, de um lado; e, de outro, o artigo 115, inciso II, da Lei n.º 8.213/1991, com a redação dada pela Lei n.º 13.846/2019, que fundamenta o entendimento do STJ no Tema 692, permitindo a devolução de valores;
11. Insta salientar que nas discussões que ensejaram as decisões do STJ sobre o Tema 692, não se analisou o prisma da hierarquia da norma supralegal sobre a norma ordinária. Esta Décima Turma, em consonância com a atual jurisprudência do STF, entende que, em face do caráter supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos, a legislação infraconstitucional que com eles conflita tem sua eficácia limitada;
12. De modo que deve prevalecer o posicionamento pela não devolução dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado em decorrência da revogação da tutela. A proteção à subsistência do indivíduo e a garantia da dignidade da pessoa humana, conforme preconizado, sobrepõem-se à exigência de repetição de indébito em tais circunstâncias;
13. Agravo de instrumento improvido.
(TRF3 - AI 5010730-86.2025.4.03.0000 - 10ª Turma, Rel. Des. Fed. Gabriela Araujo - Agravo desprovido, vu, j. 26/08/2025).
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AUXÍLIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA. TUTELA ANTECIPADA POSTERIORMENTE REVOGADA. TEMA 692/STJ. RESTITUIÇÃO DOS VALORES. IMPOSSIBILIDADE. NATUREZA ALIMENTAR DO BENEFÍCIO. BOA FÉ DO BENEFICIÁRIO. DECISÃO RECORRIDA MANTIDA. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.
1. O INSS não apresenta qualquer subsídio capaz de viabilizar a alteração dos fundamentos da decisão recorrida, persistindo impassíveis de alteração os argumentos nos quais o entendimento foi firmado.
2. A Autarquia considera indevido o pagamento efetuado a título de auxílio por incapacidade temporária - NB 31/529.833.325-5, no período de 14/09/2010 a 31/01/2014, por força de tutela antecipada posteriormente revogada.
3. Não se desconhece que a matéria em discussão (devolução dos valores recebidos pelo beneficiário do Regime Geral da Previdência Social - RGPS, em virtude de decisão judicial precária, que venha a ser posteriormente revogada), foi uniformizada pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema 692, fixando a tese jurídica de que a reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela obriga a parte autora a devolver os valores indevidamente recebidos a título de benefício previdenciário.
4. O entendimento firmado por esta Décima Turma, fundamentado na jurisprudência do C. Supremo Tribunal Federal é pela não devolução dos valores.
5. Embora o C. STF, ao realizar juízo de admissibilidade do RE 722.421, identificado pelo tema 799, tenha afastado a repercussão geral da matéria decidida pelo C. STJ no tema 692, ainda se verifica, em julgamentos de sua competência originária, o entendimento adotado por este Décima Turma.
6. Em sede de agravo interno o ente autárquico não trouxe argumentos novos capazes de infirmar os fundamentos que alicerçaram a decisão agravada.
7. Agravo interno improvido.
(TRF3 - ApCiv 5000063-92.2017.4.03.6120 - 10ª Turma, Rel. Des. Fed. Gabriela Araujo - Agravo interno desprovido, vu, j. 08/07/2025).
DIREITO PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. TUTELA POSTERIORMENTE REVOGADA. TEMA 692 DO STJ. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. INABLICABILIDADE. IRREPETIBILIDADE DOS VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL. ENTENDIMENTO CONSOLIDADO PELA SUPREMA CORTE. ACÓRDÃO IMPUGNADO MANTIDO.
1. Ao apreciar a questão de ordem na Pet 12.482/DF, o C. Superior Tribunal de Justiça decidiu reafirmar a tese jurídica firmada no Tema Repetitivo 692/STJ (REsp 1.401.560/MT), com acréscimo redacional, nos seguintes termos: "A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago". Não obstante, verifica-se que o acórdão objeto de recurso especial está assentado em entendimento firmado pelo E. STF, no sentido da desnecessidade de restituição dos valores recebidos, com fundamento no princípio da boa-fé e no caráter alimentar do benefício.
2. Em que pese a Suprema Corte tenha decidido, em julgamento pelo Plenário Virtual, na data de 20/03/2015, que "a questão acerca da devolução de valores recebidos em virtude de concessão de antecipação de tutela posteriormente revogada tem natureza infraconstitucional e a ela atribuem-se os efeitos da ausência de repercussão geral" (Tema 799/STF), mantém-se hígida a interpretação jurisprudencial segunda a qual os valores recebidos de boa-fé, por força de decisão judicial, são irrepetíveis, diante de sua natureza alimentar.
3. Acórdão impugnado mantido.
(TRF3 - ApCiv 5021313-53.2018.4.03.9999 - 10ª Turma, Rel. Des. Fed. Mauricio Kato - Acórdão impugnado, vu, j. 27/05/2025).
A jurisprudência consolidada por este colegiado revela um compromisso firme com a proteção de situações jurídicas já estabilizadas, especialmente no que diz respeito à não devolução de valores recebidos de boa-fé em decorrência de decisão judicial provisória posteriormente revogada. Essa orientação está em consonância com os princípios da segurança jurídica, da confiança legítima e da boa-fé objetiva, previstos nos artigos 5º e 8º do Código de Processo Civil, bem como no artigo 37, caput, da Constituição Federal. Tais princípios asseguram ao jurisdicionado previsibilidade quanto aos efeitos das decisões judiciais e proteção contra retrocessos que possam comprometer sua estabilidade financeira e social.
Ainda que o Tema 692 do Superior Tribunal de Justiça preveja a possibilidade de devolução dos valores recebidos por força de tutela antecipada posteriormente revogada, sua aplicação deve ser cuidadosamente ponderada à luz da jurisprudência local consolidada. Isso se torna ainda mais relevante quando essa orientação se alinha à proteção da dignidade da pessoa humana e à natureza alimentar das verbas envolvidas, que não raro representam a única fonte de sustento dos beneficiários. A imposição de devolução, mesmo com o limite de 30% para desconto, pode gerar efeitos desproporcionais, especialmente sobre segurados que recebem valores mínimos e já enfrentam compromissos financeiros, como empréstimos consignados.
DA CONCLUSÃO
Afastada a aplicação automática da tese firmada no Tema 692 do Superior Tribunal de Justiça, reconhecendo, no caso concreto, a impossibilidade de devolução dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, em respeito aos princípios da segurança jurídica, da confiança legítima e da dignidade da pessoa humana.
Por essas razões, e em juízo de retratação, mantenho o julgamento originário, em consonância com os reiterados precedentes desta 10ª Turma, que tem se posicionado de forma firme e uniforme pela não devolução de valores percebidos em decorrência de tutela provisória posteriormente revogada.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, com a devida vênia, nego o juízo de retratação, mantendo o acórdão proferido.
Oportunamente, retornem os autos à Vice-Presidência.
É como voto.