O Juiz Federal Convocado Bruno Cezar da Cunha Teixeira (Relator):
Trata-se de apelação interposta em ação objetivando o reconhecimento de tempo especial de trabalho para fins previdenciários. A r. sentença julgou procedente o pedido reconhecendo a especialidade dos períodos e concedendo a aposentadoria especial. Apelaram o INSS sustentando a improcedência dos pedidos e o autor requerendo a fixação do pagamento do benefício desde a DER em 24/09/2015.
Não assiste razão ao INSS.
O apelante requer a atribuição de efeito suspensivo ao recurso, o que deve ser rejeitado. Ainda que haja determinação de suspensão de todos os recursos que versam sobre a matéria no âmbito dos tribunais, a questão terá impactos apenas na fase de liquidação da sentença, não havendo prejuízos processuais às partes com a solução dos demais pontos dos recursos por esta Corte neste momento, priorizando-se, o princípio da celeridade processual.
Sobre a alegação de inexistência de interesse processual diante do ajuizamento da ação com documentação diversa da anexada nos autos administrativos em comparação com a ação judicial, o fato de os Perfis Profissiográficos Previdenciários (PPPs) terem sido juntados apenas em Juízo não é circunstância a ser analisada sob o prisma da falta de interesse de agir, mas sob o viés do termo inicial dos efeitos financeiros.
Com o mérito julgado pelo STJ em relação ao Tema 1.124, perde a razão o pedido de sobrestamento do feito, motivo pelo qual não prospera as alegações da apelante. Frisa-se que o Tema 1.124 do STJ determina que cabe ao INSS o dever legal de intimar o segurado a complementar a documentação ou a prova, por carta de exigência ou outro meio idôneo, e caso não o faça, o interesse de agir estará configurado.
No caso em tela, nota-se que o INSS não comprovou suas alegações nos autos, tampouco juntou documentos que pudessem corroborar suas razões de apelação, estando presente o interesse de agir da parte autora, na medida em que trouxe a Juízo a mesma matéria de fato submetida à autarquia na seara administrativa. Além disso, a autarquia contestou os pedidos, havendo pretensão resistida nos termos do Tema 350 do STF.
Assim, ainda que apresentados novos documentos - relativos aos mesmos fatos - nos autos da ação judicial, remanescendo a negativa da autarquia, com expressa resistência à pretensão judicial, não há pertinência na alegação da ausência de interesse de agir.
Ao contrário do alegado pela apelante, o que se verifica é o descumprimento do Tema 1.124 do STJ por parte da própria autarquia federal ao deixar de agir de forma colaborativa e de oportunizar ao segurado a complementação da documentação ou a produção de prova, na tentativa de furtar-se de suas obrigações legais.
Por sua vez, em relação ao pedido de aplicação do Tema 1.090 do STJ, cabe destacar que existem situações em que a contagem de tempo especial é possível mesmo com o uso do EPI pelo segurado, somando-se à comprovação de ineficácia do equipamento, motivo pelo qual não cabe a aplicação de referido Tema neste caso diante da exposição aos agentes biológicos prejudiciais à sua saúde.
Sobre o pedido de fixação do termo inicial na data da citação, se o preenchimento dos requisitos se dá antes da citação, como ocorreu no caso em tela, o termo inicial do benefício deve ser fixado na data do implemento dos requisitos. Logo, não prospera o pedido da apelante.
No presente caso, em que houve a condenação do INSS, não pode a autarquia ser isenta dos ônus da sucumbência, tendo em vista que foi responsável pelo indeferimento do pedido administrativo, que acarretou o ajuizamento da presente ação. Deve arcar com a sucumbência recursal.
O apelante requer atribuição de efeito suspensivo ao recurso, a qual também deve ser rejeitada.
A preliminar de submissão do feito à remessa oficial não tem pertinência. O artigo 496, §3º, I, do CPC, estabelece o duplo grau de jurisdição obrigatório nas condenações contra a União, suas autarquias e fundações de direito público, em valor superior a 1.000 salários-mínimos. Nesse sentido, colaciona-se precedente desta Corte: ApCiv 5010118-05.2020.4.03.6183, Rel. Des. Fed. JEAN MARCOS FERREIRA, DJe 12/08/2025.
Resolvidas as questões preliminares, passo à análise do mérito.
Alegou a apelante que a identificação dos agentes nocivos no ambiente de trabalho nos Perfis Profissiográficos Previdenciários (PPPs) é de atribuição exclusiva de engenheiros de segurança do trabalho e de médicos do trabalho, devendo ser desconsiderados os PPPs do apelado diante da assinatura de seus documentos por responsável Técnico de Segurança.
A ausência de indicação do registro de classe profissional não impede o reconhecimento da especialidade. Caberia ao INSS provar que o profissional apontado no PPP não é apto a aferir a efetiva exposição a agentes nocivos à saúde da parte autora, o que não ocorreu. Nesse sentido é a Jurisprudência deste Tribunal: ApCiv 5001552-20.2020.4.03.6134, Rel. Des. Fed. INES VIRGINIA PRADO SOARES Dje 05/04/2021; ApelRemNec 0000276-16.2012.4.03.6103, Rel. Des. Fed. CARLOS DELGADO, DJe 04/06/2019.
É cediço o entendimento jurisprudencial de que a anotação em CTPS goza de presunção juris tantum, sendo possível sua desconsideração, desde que produzida prova em sentido contrário. A ausência das respectivas contribuições no sistema previdenciário não relativiza referida presunção, pois cabe ao empregador o efetivo recolhimento e, ao réu, a fiscalização de tal obrigação.
Contrariamente ao alegado pelo ente autárquico, não caberia ao segurado demonstrar, por intermédio de prova adicional, a veracidade dos registros em CTPS, mas ao próprio INSS, uma vez que constituía seu ônus demonstrar a alegada irregularidade, consoante o disposto no artigo 373, II, do CPC. No mesmo sentido é o entendimento desta Corte: ApCiv 0008119-44.2016.4.03.6183, Rel. Des. Fed. CARLOS DELGADO, DJe 11/07/2022.
Não prosperam as alegações de ausência dos requisitos para o enquadramento por categoria profissional. No caso, foi reconhecida a especialidade do labor prestado de 02/01/1986 a 28/04/1995, ante o enquadramento ocupacional do autor como cirurgião dentista e a exposição a agentes agressivos.
Nos termos do item 2.1.3 dos Decretos 53.831/1964 e 83.080/1979, até 28/04/1995, é possível o reconhecimento da especialidade da função de dentista, por enquadramento de categoria profissional, tendo em consideração a presunção de nocividade que decorre do contato dos referidos profissionais com doentes e materiais infecto-contagiantes. Nesse sentido, é o entendimento desta Corte:ApCiv 5000092-44.2019.4.03.6130, Rel. Des. Fed. NELSON DE FREITAS PORFIRIO JUNIOR, DJe 29/04/2022. Dessa forma, admite-se o reconhecimento da nocividade laboral decorrente da categoria profissional mediante qualquer meio probatório idôneo, como CTPS, formulário, PPP ou laudo técnico.
Somando-se aos períodos supracitados, houve a comprovação mediante a juntada do PPP referente aos períodos de 29/04/1995 a 30/06/2015 demonstrando a especialidade do trabalho executado na função de Cirurgião Dentista junto à Prefeitura de Corguinho/MS. Além do LTCAT, há também outro PPP expedido pela Prefeitura de Rochedo/MS, nos períodos de 02/01/1997 a 30/06/1997, de 01/02/1999 a 30/07/1999 e de 03/01/2000 a 31/12/2000, na função de Odontólogo, também comprovando referido documento a exposição do trabalhador a agentes de risco à sua saúde.
Ao laborar no ramo da área de saúde, especialmente realizando cirurgias, o trabalhador é exposto a vários agentes biológicos, como vírus e bactérias, por contato com pacientes, podendo a atividade exercida ser enquadrada como especial.
Para fundamentar a especialidade dos períodos, vale citar o código 1.3.2 do Decreto 53.831/1964, que classifica como especial os trabalhos permanentes expostos ao contato com doentes ou materiais infecto-contagiantes, o código 1.3.4 do Anexo I, do Decreto 83.080/1979, que relaciona os trabalhos em que haja contato permanente com doentes ou materiais infecto-contagiantes, o código 3.0.1, letra a, Anexo IV ao Decreto 2.172/1997, que relaciona os trabalhos em estabelecimentos de saúde em contato com pacientes portadores de doenças infecto-contagiosas ou com manuseio de materiais contaminados e o Código 3.0.1, alínea a, do Anexo IV do Decreto 3.048/1999 que relaciona os trabalhos em estabelecimentos de saúde em contato com pacientes portadores de doenças infecto-contagiosas ou com manuseio de materiais contaminados.
É notório que o ambiente hospitalar e outros similares são insalubres, como os que estão sujeitos os cirurgiões dentistas, expostos a riscos diversos, potencialmente causadores de danos à saúde.
Assim, de acordo com a disciplina normativa e jurisprudência consolidada, é especial a atividade laboral em que o trabalhador, na execução de suas tarefas, esteja em contato com pessoas portadoras de doenças infecto-contagiosas ou manuseia materiais e produtos infecto-contagiantes ou contaminados. Em se tratando de agentes biológicos, não se requer prova de todo o tempo de permanência e habitualidade, mas do risco efetivo da exposição aos agentes nocivos.
Desse modo, computando-se os períodos de atividade especial reconhecidos nos autos, acrescidos dos intervalos incontroversos, verifica-se que, na data do DER em 24/09/2015, o apelado comprovou o exercício de atividades consideradas especiais por um período de tempo superior a 25 anos, razão pela qual preenche os requisitos para a concessão da aposentadoria especial, nos termos dos artigos 57 e 58 da Lei 8.213/1991.
Por sua vez, assiste razão ao autor.
Os efeitos financeiros do benefício previdenciário devem ser fixados na data do DER em 24/09/2015, uma vez que a documentação necessária à solução da lide já havia sido apresentada na esfera administrativa, sendo devidas as parcelas vencidas com acréscimo de correção monetária desde o vencimento e juros de mora a contar da citação, conforme critérios definidos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal. Ressalte-se que os valores inacumuláveis pagos administrativamente no período deverão ser abatidos do débito.
Considerado o trabalho adicional realizado pelo advogado, em decorrência da apelação, os honorários advocatícios a cargo do INSS, por ocasião da liquidação, deverão ser acrescidos de percentual de 1%, nos termos do artigo 85, §11, do CPC, observados os termos da Súmula 111 e de acordo com o decidido no Tema 1105, ambos do STJ.
Ante o exposto, não conheço da remessa necessária, nego provimento à apelação do INSS e dou provimento à apelação do autor para fixar a data do pagamento da aposentadoria especial desde a DER em 24/09/2015, mantendo a sentença inalterada nos demais pontos.
É como voto.