O Juiz Federal Convocado Ney Gustavo Paes de Andrade (Relator):
Trata-se de apelação interposta em ação objetivando o reconhecimento de tempo especial de trabalho para fins previdenciários. A r. sentença julgou procedente os pedidos iniciais concedendo o benefício previdenciário. Apelou o INSS sustentando a improcedência dos pedidos.
Assiste razão em parte a autarquia.
O INSS requer a atribuição de efeito suspensivo ao recurso, o que deve ser rejeitado. Não há risco de irreversibilidade dos efeitos da decisão, considerando que a autarquia poderá pleitear posterior ressarcimento em caso de pagamentos indevidos, hipótese que não se configura no presente caso.
A preliminar de submissão do feito à remessa oficial também não procede. O artigo 496, §3º, I, do CPC estabelece o duplo grau de jurisdição obrigatório nas condenações contra a União, suas autarquias e fundações de direito público, em valor superior a 1.000 salários-mínimos, não sendo o caso destes autos. Nesse sentido: ApCiv 5010118-05.2020.4.03.6183, Rel. Des. Fed. JEAN MARCOS FERREIRA, DJEN 12/08/2025.
Superadas as questões preliminares, passo à análise do mérito.
A EC 20/1998 introduziu mudanças profundas no regime das aposentadorias, assegurando, contudo, a aposentadoria ao segurado do Regime Geral de Previdência Social que tenha cumprido todos os requisitos necessários à obtenção do benefício com base nos critérios da legislação então vigente.
A Aposentadoria por Tempo de Serviço passou a ser Aposentadoria por Tempo de Contribuição, mas o tempo de serviço até então prestado deverá ser contado como tempo de contribuição até que lei nova discipline a matéria.
Para aqueles que implementaram os requisitos para a concessão da aposentadoria por tempo de serviço até a data de publicação da EC 20/1998, fica assegurada a percepção do benefício, na forma integral ou proporcional, conforme o caso, com base nas regras anteriores ao referido diploma legal.
Por sua vez, para os segurados já filiados à Previdência Social, mas que não tinham implementado os requisitos para a percepção da aposentadoria por tempo de serviço antes da sua entrada em vigor, a EC 20/1998 impôs as condições constantes do seu artigo 9º, I e II.
As regras de transição previstas no artigo 9º, I e II da EC 20/1998 aplicam-se somente para a aposentadoria proporcional por tempo de serviço, e não para a integral, uma vez que tais requisitos não foram previstos nas regras permanentes para obtenção do referido benefício.
Desse modo, caso o segurado complete o tempo suficiente para a percepção da aposentadoria na forma integral, faz jus ao benefício independentemente de cumprimento do requisito etário e do período adicional de contribuição previstos no artigo 9º da EC 20/1998. Para aqueles filiados à Previdência Social após a EC 20/1998, não há mais possibilidade de percepção da aposentadoria proporcional, mas apenas na forma integral, desde que completado o tempo de contribuição de 35 anos para os homens e de 30 anos para as mulheres.
Novas e profundas modificações no regime das aposentadorias vieram com a EC 103/2019. A EC 103/2019, vigente a partir de 13/11/2019, extinguiu a Aposentadoria por Tempo de Contribuição, exigindo-se, desde então, a conjugação dos requisitos idade e tempo mínimo de contribuição. Para se ter direito a aposentação, o segurado deverá ter 65 anos de idade, se homem, e 62 anos, se mulher.
Para os trabalhadores rurais e segurados especiais, exigem-se 60 anos de idade, se homem, e 55 anos, se mulher. O artigo 3º da nova Emenda assegurou o direito à Aposentadoria por Tempo de Contribuição aos segurados que houvessem cumprido as condições anteriormente à sua vigência.
A nova Emenda também instituiu quatro regras de transição para os segurados que se encontravam filiados ao RGPS e que não houvessem completado os requisitos até a data de 13/11/2019. As regras de transição, previstas nos artigos 15, 16, 17 e 20, estabelecem: (1) sistema de pontos com idade e tempo de contribuição; (2) tempo de contribuição e idade mínima; (3) tempo de contribuição e pedágio de 50% com fator previdenciário sem critério de idade; e (4) tempo de contribuição, pedágio e requisito da idade mínima.
Computando-se os períodos reconhecidos nos autos, acrescidos dos intervalos incontroversos, verifica-se que, na data do requerimento administrativo em 16/10/2020, o autor não totaliza o tempo necessário para a concessão do benefício da aposentadoria especial, mas preenche os requisitos necessários à aposentação por tempo de contribuição.
No que tange à especialidade das atividades exercidas pelo apelado, as atividades de motorista, cobrador de ônibus e ajudantes de caminhão foram classificadas como penosas no item 2.4.4 do Quadro Anexo ao Decreto 53.831/1964, sendo as funções de motorista de ônibus e de caminhões de carga (ocupados em caráter permanente) também classificadas como atividade especial no item 2.4.2 do Anexo II do Decreto 83.080/1979.
Até a edição da Lei 9.032/1995, não é exigível a prova da exposição aos agentes nocivos, sendo a exposição presumida. A comprovação da exposição só passou a ser exigida a partir de 28/04/1995.
É necessário o reconhecimento da especialidade do período laborado como motorista de caminhão e de combustíveis, uma vez que tais funções estão registradas na CTPS, nos Perfis Profissiográficos Previdenciários (PPPs) e no LTCAT do apelado, os quais revelam a descrição de suas atividades. É possível considerar especial a atividade do apelado em razão da periculosidade do labor pelo manuseio de produtos inflamáveis, sujeitos à explosão, risco não atenuado pelo uso de EPI. Nesse sentido: AC 0010379-02.2013.4.03.6183, Rel. Des. Fed. PAULO DOMINGUES, DJe 25/02/2019.
A periculosidade decorrente da exposição a substâncias inflamáveis dá ensejo ao reconhecimento da especialidade da atividade, porque sujeita o segurado à ocorrência de acidentes e explosões que podem causar danos à saúde ou à integridade física, não prosperando as alegações da autarquia federal.
Após a análise das provas apresentadas, observa-se que a atividade especial foi reconhecida com base na documentação constante nos autos (Perfil Profissiográfico Previdenciário Num. 263770649 - Pág. 31).
Tal documentação comprova o exercício da função de motorista de caminhão-tanque de inflamáveis em condições consideradas perigosas, devido ao risco de explosão e incêndio. Também foi identificada a exposição a agentes químicos, como hidrocarbonetos aromáticos, bem como a líquidos inflamáveis (gasolina e diesel) e a níveis de ruído acima do permitido.
No entanto após julho de 2004 o apelado deixa de ser empregado e passa a ser contribuinte individual, juntando diversos contracheques da empresa "Transgalina Transp Rodoviários LTDA ME" (ID 263770647, f. 18-44) , na qual era sócio gerente, não há qualquer informação quanto a atividade exercida pelo autor no período após julho de 2004, sequer se continua na atividade de motorista ou passou apenas a administrar a empresa. Registre-se não foi juntado PPP da empresa que era sócio gerente.
Nesse passo, diante da ausência de provas que demostre a continuidade da atividade especial do autor em sua própria empresa, não há que se falar que o período posterior a 2004 deva ser considerado especial.
Afasto o interregno após 2004 o autor não perfaz o requisito para obtenção da aposentadoria por tempo de contribuição seja na DER ou na DER reafirmar para 20/10/2025.
Desse modo, reformo a r. sentença afastando o reconhecimento de tempo especial a partir de 06/07/2004 e o direito a aposentadoria por tempo de contribuição à época da DER, portanto, revogo a tutela provisória deferida.
Ainda, os consectários legais de matéria de ordem pública, o efeito translativo do recurso permite a reapreciação da questão pelo órgão ad quem, ainda que de ofício. Nesse ponto também reformo a sentença.
As parcelas vencidas deverão ser objeto de um único pagamento e serão corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora em conformidade com o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no RE 870.947 (Tema 810 da Repercussão Geral), até a entrada em vigor da EC 113/2021, quando então passará a incidir, de forma exclusiva, a taxa Selic, conforme disposto no Manual de Cálculos da Justiça Federal e na Nota Técnica 02/2025 do CJF, emitida após a entrada em vigor da EC 136/2025.
Considerando a reforma da sentença, bem como que não foram juntados documentos na seara administrativa que comprova-se o período especial reconhecido em primeiro grau e ora confirmado, com arrimo no princípio da causalidade, condeno o autor no pagamento das custas e honorários de sucumbência ao patrono do réu, os quais arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa.
Ante o exposto, dou provimento em parte à apelação.
É como voto.