O Juiz Federal Convocado Ney Gustavo Paes de Andrade (Relator):
Trata-se de apelação interposta em ação objetivando o reconhecimento de tempo especial de trabalho para fins previdenciários. A r. sentença julgou procedente o pedido para (1) condenar o INSS ao pagamento do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição desde a data do DER em 17/12/2019 e (2) determinar a expedição de ofício para implantação do benefício no prazo de 30 dias sob pena de multa diária. Apelou o INSS sustentando a improcedência dos pedidos.
Não assiste razão à apelante.
O INSS requer a atribuição de efeito suspensivo ao recurso, o que deve ser rejeitado. Considerando a razoável certeza jurídica advinda da sentença devidamente fundamentada e a urgência do provimento jurisdicional, diante da natureza alimentar do benefício pleiteado, a concessão da antecipação da tutela mostrou-se em conformidade com o ordenamento jurídico, nos termos dos artigos 300 e 497 do CPC.
Ademais, não há falar em risco de irreversibilidade dos efeitos da decisão (artigo 300, §3º, do CPC), haja vista que eventual revogação posterior da tutela antecipada ora concedida teria o condão de determinar a repetição dos valores eventualmente recebidos pela parte autora por força da tutela cassada, nos próprios autos e após regular liquidação, com a possibilidade de desconto de até 30% sobre as parcelas de outro benefício, nos termos do entendimento firmado pelo STJ (Tema 692).
A preliminar de submissão do feito à remessa oficial não tem pertinência, devendo ser afastada. O artigo 496, §3º, I, do CPC, estabelece o duplo grau de jurisdição obrigatório nas condenações contra a União, suas autarquias e fundações de direito público, em valor superior a 1.000 salários-mínimos. Portanto, não é cabível o reexame necessário. Nesse sentido: ApCiv 5010118-05.2020.4.03.6183, Rel. Des. Fed. JEAN MARCOS FERREIRA, DJe 12/08/2025.
Rejeita-se ainda a arguição de prescrição das diferenças pretendidas, por não ter transcorrido prazo superior a cinco anos (artigo 103, parágrafo único, da Lei 8.213/1991) entre o requerimento administrativo (17/12/2019) e a propositura da presente demanda (04/12/2020).
Resolvidas as questões preliminares e prejudicial, passo à análise do mérito.
Analisando a questão, verifica-se que nos PPPs de fls. 119 e 122, referentes as empresas JB construções e RM construções elétricas transp. Logística LTDA, período de 01/02/2008 a 22/10/2008 e 08/01/2016 a 20/12/2017, não há como ser considerado tempo especial, pois não há indicação dos fatores de risco, ainda a descrição da atividade demonstra que o autor/apelado realizava trabalhos internos (responsável pelo fechamento da obra quanto a verificação de custo final durante a obra ou supervisionar e planejar atividades de obra treinando e orientando equipe) sem contato ou exposição a agentes nocivos, portanto a sentença deve ser reformada nesse ponto.
Os demais períodos devem ser mantidos como tempo de atividade especial como reconhecido pelo Juízo de origem, tendo vista que foram comprovados pela juntada da CTPS, dos Perfis Profissiográficos Previdenciários (PPPs), LTCAT e da prova testemunhal. Cabe destacar ainda que os PPPs acostados descreveram como atividades do apelado a manutenção e instalação de linhas elétricas de alta e baixa tensão, sendo corroborado pelas provas anexas sua exposição a altos níveis de eletricidade (até 34,5 Kv).
Tratando-se de agente nocivo eletricidade, restou superada a questão relacionada à sua supressão do rol do Decreto 2.172/1997, nos termos do entendimento adotado no REsp 1.306.113/SC, representativo de controvérsia, pela Primeira Seção do STJ. É cabível o enquadramento como atividade especial do trabalho exposto ao agente perigoso eletricidade, exercido após a vigência do Decreto 2.172/1997, para fins de aposentadoria especial, desde que a atividade exercida esteja devidamente comprovada pela exposição aos fatores de risco de modo permanente, não ocasional, nem intermitente, em condições especiais.
Comprovado o exercício de atividades com alta eletricidade (tensão acima de 250 volts), sua natureza revela que, mesmo na utilização de equipamentos de proteção individual considerados eficazes, não é possível afastar o trabalho em condições especiais, tendo em vista a periculosidade a que fica exposto o profissional. Neste sentido: AC 0004579-85.2016.4.03.6183/SP, Rel. Des. Fed. LÚCIA URSAIA, DJe 07/02/2018. Ressalta-se que a exposição intermitente caracteriza a especialidade do labor por se tratar de função perigosa, conforme ApCiv 5001422-80.2017.4.03.6119, Rel. Des. Fed. CARLOS EDUARDO DELGADO, DJe 05/04/2021.
Considerando que foi comprovado que a atividade exercida pelo apelado se enquadra como especial, em razão da exposição habitual ao agente nocivo eletricidade em nível muito superior a 250 volts e que o condicionamento do segurado ao fator de risco eletricidade garante aposentadoria especial após o cumprimento de 25 anos de contribuição, é necessário e justo que o segurado tenha acesso ao benefício pleiteado.
A Aposentadoria por Tempo de Serviço passou a ser Aposentadoria por Tempo de Contribuição, mas o tempo de serviço até então prestado deverá ser contado como tempo de contribuição até que lei nova discipline a matéria.
Para aqueles que implementaram os requisitos para a concessão da aposentadoria por tempo de serviço até a data de publicação da EC 20/1998, fica assegurada a percepção do benefício, na forma integral ou proporcional, conforme o caso, com base nas regras anteriores ao referido diploma legal.
Por sua vez, para os segurados já filiados à Previdência Social, mas que não tinham implementado os requisitos para a percepção da aposentadoria por tempo de serviço antes da sua entrada em vigor, a EC 20/1998 impôs as condições constantes do seu artigo 9º, I e II.
As regras de transição previstas no artigo 9º, I e II da EC 20/1998 aplicam-se somente para a aposentadoria proporcional por tempo de serviço, e não para a integral, uma vez que tais requisitos não foram previstos nas regras permanentes para obtenção do referido benefício.
Desse modo, caso o segurado complete o tempo suficiente para a percepção da aposentadoria na forma integral, faz jus ao benefício independentemente de cumprimento do requisito etário e do período adicional de contribuição previstos no artigo 9º da EC 20/1998.
Para aqueles filiados à Previdência Social após a EC 20/1998, não há mais possibilidade de percepção da aposentadoria proporcional, mas apenas na forma integral, desde que completado o tempo de contribuição de 35 anos para os homens e de 30 anos para as mulheres.
Novas e profundas modificações no regime das aposentadorias vieram com a EC 103/2019. A EC 103/2019, vigente a partir de 13/11/2019, extinguiu a Aposentadoria por Tempo de Contribuição, exigindo-se, desde então, a conjugação dos requisitos idade e tempo mínimo de contribuição.
Nesses termos, para se ter direito a aposentação, o segurado deverá ter 65 anos de idade, se homem, e 62 anos, se mulher. Para os trabalhadores rurais e segurados especiais, exigem-se 60 anos de idade, se homem, e 55 anos, se mulher. O artigo 3º da nova Emenda assegurou o direito à Aposentadoria por Tempo de Contribuição aos segurados que houvessem cumprido as condições anteriormente à sua vigência.
A nova Emenda também instituiu quatro regras de transição para os segurados que se encontravam filiados ao RGPS e que não houvessem completado os requisitos até a data de 13/11/2019. As regras de transição, previstas nos artigos 15, 16, 17 e 20, estabelecem o seguinte:(1) sistema de pontos com idade e tempo de contribuição; (2) tempo de contribuição e idade mínima; (3) tempo de contribuição e pedágio de 50% com fator previdenciário sem critério de idade; e (4)tempo de contribuição, pedágio e requisito da idade mínima.
Desse modo, computando-se os períodos reconhecidos nos autos, acrescidos dos intervalos incontroversos, verifica-se que, na data do requerimento administrativo em 17/12/2019, o apelado preencheu todos os requisitos necessários à aposentação por tempo de contribuição, motivo pelo qual cabe a manutenção da sentença tal como proferida, inclusive no tocante à sucumbência.
Tratando os consectários legais de matéria de ordem pública, o efeito translativo do recurso permite a reapreciação da questão pelo órgão ad quem, ainda que de ofício. Nesse ponto, a sentença merece correção.
As parcelas vencidas deverão ser objeto de um único pagamento e serão corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora em conformidade com o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no RE 870.947 (Tema 810 da Repercussão Geral), até a entrada em vigor da EC 113/2021, quando então passará a incidir, de forma exclusiva, a taxa Selic, conforme disposto no Manual de Cálculos da Justiça Federal e na Nota Técnica 02/2025 do CJF, emitida após a entrada em vigor da EC 136/2025.
Considerado o trabalho adicional realizado pelo advogado em decorrência da apelação, os honorários advocatícios a cargo do INSS, por ocasião da liquidação, deverão ser acrescidos de percentual de 1%, nos termos do artigo 85, §11, do CPC, observados os termos da Súmula 111 e de acordo com o decidido no Tema 1105, ambos do STJ.
Ante o exposto, nego provimento à apelação. Corrijo, de ofício, o capítulo da sentença referente aos consectários legais.
É como voto.